quarta-feira, 26 de novembro de 2014

CRESCIMENTO ECONÔMICO E A INCLUSÃO SOCIAL

A economia da inclusão

Ricardo Haussmann argumenta que o crescimento não é inclusivo porque os custos fixos impedem os mercados de atuar em locais que não os sustentam

Ricardo Hausmann
Hoje é o Dia mundial de combate ao trabalho infantil. Atualmente há no Brasil mais de 4 milhões de crianças e adolescentes trabalhando
Ricardo Haussmann: investimentos em inclusão funcionam mais que assistencialismo (Wilson Dias/ABr/VEJA)
Países como Brasil, África do Sul, Peru, Uganda, Guatemala, Paquistão e Venezuela gastam substancialmente mais dinheiro em subsídios e transferências do que em investimentos públicos para expandir as redes de infraestrutura, a educação e a saúde
Muitas pessoas enxergam o crescimento econômico como um objetivo moralmente ambíguo – palatável, elas argumentariam, apenas se for amplamente compartilhado e ambientalmente sustentável. Mas, como meu pai gosta de dizer, “por que tornar alguma coisa difícil quando você pode torná-la impossível?”. Se não sabemos como fazer as economias crescerem, também não sabemos como fazê-las crescer de maneira inclusiva e sustentável.
Os economistas se debatem com o dilema entre crescimento e igualdade há séculos. Qual é a natureza do dilema? Como pode ser minimizado? O crescimento pode ser sustentado se levar à mais desigualdade? A redistribuição de renda atrapalha o crescimento?
Acredito que tanto a desigualdade quanto o crescimento desacelerado muitas vezes são resultado de uma forma particular de exclusão. Adam Smith uma vez disse: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que ele têm pelos próprios interesses”. Então por que o crescimento não incluiria pessoas com interesses próprios em vez de exigir uma ação coletiva deliberada?
É sabido que os níveis de renda são dramaticamente diferentes ao redor do mundo. Graças a mais de dois séculos de crescimento econômico sustentado, a renda média per capita nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) é de pouco menos que 40 mil dólares – 3,3, 11,3 e 17,7 vezes maior, respectivamente, do que a renda média per capita da América Latina, da Ásia Meridional e da África Subsaariana. O crescimento sustentável obviamente não incluiu a maioria da humanidade.
O que é menos conhecido é que existem grandes desníveis dentro dos países. Por exemplo, o PIB por trabalhador no estado de Nuevo León, no México, é oito vezes maior do que o índice de Guerrero, enquanto o rendimento por trabalhador no Departamento de Chocó, na Colômbia, é de menos de 1/5 do rendimento por trabalhador de Bogotá. Por que os capitalistas extrairiam tão pouco valor dos trabalhadores se podem conseguir muito mais deles?
A resposta é surpreendentemente simples: custos fixos. A produção moderna é baseada em redes de redes. Uma empresa moderna é uma rede de pessoas com especialidades diferentes: produção, logística, marketing, vendas, contabilidade, gerência de recursos humanos e assim por diante. Mas a empresa em si deve ser conectada a uma rede de outras empresas – seus fornecedores e clientes – através de redes de transporte e comunicação multimodais.
Para fazer parte da economia moderna, as empresas e famílias precisam acessar redes que forneçam água e saneamento básico e descartem resíduos sólidos. Precisam acessar sistemas que forneçam eletricidade, transporte urbano, mercadorias, educação, saúde, segurança e finanças. A carência de acesso a qualquer uma dessas redes causa quedas enormes de produtividade. Só pense como a sua vida mudaria se você tivesse que caminhar duas horas todos os dias para conseguir água potável ou madeira para combustível.
Mas conectar-se à essas redes envolve custos fixos. Antes que qualquer pessoa possa consumir energia e água ou andar de ônibus, alguém tem de providenciar um fio de cobre, um cano e uma estrada para a casa dela. Esses custos fixos têm que ser recuperados através de longos períodos de uso.
Se espera-se que a renda seja baixa (talvez pela falta de outras redes), não vale a pena conectar uma empresa ou família à rede, porque os custos fixos não serão recuperados. O crescimento não é inclusivo porque os custos fixos impedem os mercados de atuar em locais que não os sustentam.
Mudanças nesses custos fixos têm grandes consequências sobre quem é incluído. Por exemplo, a primeira companhia telefônica começou a funcionar em 1878, enquanto os telefones celulares mal completaram 25 anos. Poderia se esperar, apenas em função da vantagem de tempo, que o primeiro teria se difundido mais do que o segundo. Ainda assim, no Afeganistão, há 1.300 celulares para cada telefone fixo. Na Índia, há 72 linhas de celular para cada 100 pessoas, mas apenas 2,6 telefones fixos.
Na verdade, muitos indianos que têm celulares precisam defecar ao ar livre, porque o indiano médio não tem água encanada em casa. No Quênia, onde há 50 celulares para cada 100 pessoas, apenas 16% da população tem acesso à eletricidade. Isto reflete o fato de que torres e aparelhos celulares são muito mais baratos do que canos e fios de cobre, possibilitando que os pobres possam pagar os custos fixos.
São os custos fixos que limitam a difusão das redes. Então, uma estratégia para o crescimento inclusivo seria focar em maneiras de ou baixar o preço, ou pagar pelos custos fixos que conectam as pessoas às redes.
A tecnologia pode ajudar. Claramente, os celulares fizeram maravilhas. Células fotovoltaicas mais baratas podem possibilitar que vilarejos remotos consigam obter energia elétrica sem os custos fixos de longas linhas de transmissão. Os serviços bancários móveis podem baixar os custos fixos enfrentados pelos bancos tradicionais.
Mas, em outras áreas,  o problema envolve políticas públicas. Desde o seu começo, em 1775, os Correios dos Estados Unidos se basearam no principio de que “qualquer pessoa nos Estados Unidos – não importa quem ou onde – tem o direito ao acesso igualitário a um serviço de correios seguro, eficiente e acessível”. Uma lógica similar levou à expansão do sistema interestadual de estradas.
Obviamente, tudo isto custa dinheiro, e é aí que entram as prioridades. Países pobres não têm dinheiro para conectar todas as pessoas à todas as redes de uma vez só, o que explica as enormes diferenças regionais de renda. Mas recursos demais muitas vezes são destinados a medidas paliativas de redistribuição direcionadas às consequências da exclusão e não às suas causas. Países como Brasil, África do Sul, Peru, Uganda, Guatemala, Paquistão e Venezuela gastam substancialmente mais dinheiro em subsídios e transferências do que em investimentos públicos para expandir as redes de infraestrutura, a educação e a saúde. 
As estratégias para o crescimento inclusivo devem dar poder às pessoas, incluindo-as nas redes que as tornem produtivas. A inclusão não deve ser vista como um entrave ao crescimento para torná-lo mais palatável. Vista da maneira correta, a inclusão é, na verdade, uma estratégia que intensifica o crescimento.
Ricardo Hausmann, ex-ministro do planejamento da Venezuela, é professor de economia na Universidade de Harvard, onde também é diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional
(Tradução: Roseli Honório)
© Project Syndicate 2014
Fonte : Revista Veja

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