domingo, 31 de maio de 2015

UFSC APROVA ADESÃO AO SISU PARA 30% DAS VAGAS EM 2016.

UFSC Aprova Adesão ao Sisu Para 30% das Vagas em 2016 | infoEnem



UFSC Aprova Adesão ao Sisu Para 30% das Vagas em 2016
Posted: 30 May 2015 08:30 AM PDT
Após muito estudo, encontros e discussões, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) finalmente aprovou a adesão ao Sistema de Seleção Unificada, para o preenchimento de 30% de suas vagas. A decisão foi tomada pelo Conselho Universitário (CUn) na tarde desta sexta-feira (29), em reunião realizada na própria instituição.
A mudança será válida já para a primeira edição do Sisu 2016, que deve ocorrer em janeiro do ano que vem. Portanto, os estudantes que pretendem concorrer a um vaga na UFSC pelo sistema deverão participar do Enem 2015, lembrando que suas inscrições estão abertas até a próxima sexta-feira, 5 de junho.
Além disso, a proposta de adesão também prevê o aumento gradual da oferta de vagas pelo sistema do Ministério da Educação, com base em avaliações e balanços anuais. Em outras palavras, a Federal de Santa Catarina deve seguir o mesmo caminho que outras grandes universidades, aumentando o percentual de vagas do Sisu ano após ano, até a extinção de seu vestibular tradicional.
Falando em Vestibular, vale esclarecer que o processo seletivo próprio da UFSC será realizado normalmente para a ocupação dos outros 70% de vagas que serão ofertadas no primeiro semestre de 2016.
Com relação ao sistema de cotas, o pró-reitor de graduação Julian Borba explica que a universidade irá manter o mesmo padrão seguido pela Política de Ações Afirmativas, devendo atingir reserva de 50% das vagas para candidatos da rede pública no próximo ano:
A ideia é que aquilo que foi definido para o Vestibular seja também válido para o Sisu.
Conforme esclarece nota da assessoria de imprensa e comunicação, a UFSC já havia utilizado o Sisu no segundo semestre de 2010, para ocupação de vagas remanescentes, não utilizando mais o sistema desde então. A discussão pelo adoção definitiva do Sisu iniciou em junho do ano passado.

PRODUTIVIDADE DO TRABALHADOR BRASILEIRO.

Um trabalhador americano produz como quatro brasileiros

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Quatro trabalhadores brasileiros são necessários para atingir a mesma produtividade de um norte-americano.
A distância, que vem se acentuando e está próxima da do nível dos anos 1950, reflete o baixo nível educacional no Brasil, a falta de qualificação da mão de obra, os gargalos na infraestrutura e os poucos investimentos em inovação e tecnologia no país.
Editoria de Arte/Folhapress
Fatores apontados por empresários e por quem estuda o assunto como os principais entraves para a produtividade crescer no país –e que também ajudam a explicar o desempenho fraco do PIB brasileiro nos últimos anos.
A comparação entre Brasil e EUA considera como indicador a produtividade do trabalho, uma medida de eficiência que significa quanto cada trabalhador contribui para o PIB de seu país.
O dado é do Conference Board, organização americana que reúne cerca de 1.200 empresas públicas e privadas de 60 países e pesquisadores.
Ele é importante porque mostra a força de fatores como educação e investimento em setores de ponta, que tornam mais eficiente o uso de recursos. A produtividade costuma ser menor nas empresas de trabalho intensivo.
O baixo nível educacional no Brasil é destacado pelo pesquisador Fernando Veloso, da FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), como um dos mais graves problemas para uma economia que precisa crescer e aumentar o padrão de vida da população.
"O brasileiro estuda em média sete anos, nem completa o ensino fundamental. Nos EUA, são de 12 a 13 anos, o que inclui uma etapa do ensino superior, sem mencionar a qualidade do ensino."
A média de treinamento (qualificação) que um americano recebe varia de 120 a 140 horas ao ano. No Brasil, são 30 horas por ano, destaca Hugo Braga Tadeu, professor da Fundação Dom Cabral.
A produtividade brasileira deve cair neste ano ao menor nível desde 2006 na comparação com a do americano e se aproxima do nível da década de 1950, quando o estudo se iniciou. Em 1980, um brasileiro tinha produtividade equivalente a 40% da de um americano. Hoje, ela está em 24%.
"Voltamos ao patamar dos anos 1950, mesmo com os avanços tecnológicos que ocorreram em 65 anos", afirma José Ricardo Roriz Coelho, diretor do departamento de competitividade da Fiesp.
A dificuldade de competir se acentua com a carga tributária maior, o juro alto para empréstimos, os riscos cambiais, os custos trabalhistas e os gargalos que encarecem a produção, diz o empresário.
A queda na produtividade é consequência do PIB fraco e de condições desfavoráveis, como maior inflação, que levam o setor produtivo a cancelar ou adiar investimentos.
A retração generalizada no consumo das famílias e na demanda de empresas e governos, além da piora na situação da indústria e dos serviços, foi mostrada na queda de 0,2% no PIB de janeiro a março, e a previsão é que o segundo trimestre seja pior.
MAIS DISTANTE
"O país vive uma crise de isolamento que só o distancia dos países e só se acentua", afirma o economista Cláudio Frischtak, estudioso do tema produtividade.
O isolamento se traduz não só pelo ritmo lento de avanços dentro das fábricas, como processos de inovação, diz o economista, mas também no número baixo de acordos de livre-comércio com outros países (o que dificulta o acesso a bens e serviços, inclusive os de maior tecnologia).
Outro indicador desse distanciamento é a participação de estrangeiros no mercado de trabalho. "São professores, pesquisadores, técnicos e cientistas que enfrentam dificuldades burocráticas para exercer suas atividades no país. Com isso, o conhecimento deixa de circular." 

sábado, 30 de maio de 2015

NIGÉRIA PROÍBE MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA.

Nigéria proíbe mutilação genital feminina antes de troca presidencial O ex-ditador Muhammadu Buhari assumiu nesta sexta o posto deixado por Goodluck Jonathan. Ele prometeu aniquilar o grupo terrorista Boko Haram

29/05/2015 às 16:08 - Atualizado em 29/05/2015 às 20:53


Mulher aguarda com seu filho em campo de refugiados após Exército nigeriano evacuar cidade ameaçada pelo Boko Haram(Afolabi Sotunde/Reuters)

O agora ex-presidente nigeriano Goodluck Jonathan entregou nesta sexta-feira o cargo ao ex-ditador Muhammadu Buhari, que o superou nas eleições presidenciais ocorridas em março. Antes de deixar o posto, no entanto, Jonathan sancionou nesta semana uma lei para a proteção e garantia dos direitos das mulheres no país africano. Conforme a nova legislação, que havia sido aprovada pelo Senado no dia 5 deste mês, torna-se, enfim, proibida a prática da mutilação genital feminina na Nigéria. A medida também impedirá que homens abandonem suas mulheres ou filhos sem que haja o pagamento de pensões.
Ativistas ouvidas pelo jornal The Guardian classificaram a ratificação da lei de "importantíssima". Um levantamento feito no ano passado pela ONU apontou que um quarto das mulheres nigerianas foi submetido à mutilação genital feminina, cuja prática pode causar infertilidade, infecções, perda do prazer sexual e, em casos extremos, a morte. A mutilação afeta aproximadamente 125 milhões de mulheres e meninas em todo o mundo, sendo que a África e o Oriente Médio são as regiões com os números mais alarmantes.
Fonte : Revista Veja

REFORMA AGRÁRIA SOFRE CORTE DO GOVERNO EM MAIS DE 50%.

Governo federal corta mais de 50% dos recursos da Reforma Agrária

Os cortes anunciados pela equipe econômica do governo federal no último dia 22/05, um contingenciamento de quase R$ 70 bilhões no orçamento da união para 2015, tendem a estagnar ainda mais o processo da Reforma Agrária no país.
Cerca de 53.3% dos recursos discricionários, ou seja, aqueles que são priorizados pela própria pasta, foram contingenciados. Esse montante resultou na redução de 49.4% nas dotações do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para este ano.
Do montante autorizado em Lei, de pouco mais de R$ 3,5 bilhões, restaram apenas R$ 1,8 bilhão.
A reportagem é de Maura Silva, publicada por Página do MST, 28-05-2015.
Esse valor será responsável pela manutenção dos programas já existentes, além do pagamento de dívidas adquiridas pelo próprio ministério. Isso significa que pouca ou nenhuma verba será destinada a novos projetos de interesse da Reforma Agrária.
Entre todas as pastas afetadas pelo contingenciamento, o MDA foi o 6º colocado em termos de corte proporcional.
Essa posição acompanha a tendência de queda nos gastos do governo federal com o Instituto Nacional de Colonização Agrária (Incra), órgão que executa a política de desapropriação de terras e assentamento de famílias.



Segundo dados do Portal da Transparência, o Incra recebeu R$ 1,408 bilhão em 2014. Este é o menor gasto desde 2005, quando o órgão recebeu R$ 1,3 bilhão.
A discrepância entre os dois orçamentos fica ainda maior quando se analisa o total gasto pelo governo federal em despesas diretas.
Desde o primeiro mandato da presidente Dilma, o Incra teve um corte de 75% em seu orçamento.
Para o integrante da coordenação nacional do MST, Alexandre Conceição, o programa neodesenvolvimentista apresentado pelo atual governo chegou ao seu limite.
“A presidenta Dilma já entrou pra história do Brasil como a pior presidenta do período recente para os trabalhadores rurais Sem Terra. O seu governo foi responsável por paralisar a Reforma Agrária, retomar as teses do Banco Mundial, que nos últimos quatro anos burocratizou os processos de desapropriações, fazendo com que menos de 15 mil famílias fossem assentadas em todo Brasil em 2014”, destaca.
Conceição vê com preocupação o corte feito ao MDA. Para ele, com o falta de recursos, o que já estava péssimo tende a piorar ainda mais.
“Com essa paralisia e agora com a tesoura do Ministério da Fazenda, não temos expectativas de melhora na disposição de terras para a Reforma Agrária. Com o corte de mais de 49% é economicamente inviável que o ministro Patrus Ananias cumpra com a promessa de assentar todas as famílias acampadas no Brasil, que hoje já são mais de 120 mil”, conclui.
Os recursos destinados ao Incra vêm sofrendo um declínio sistemático nos últimos anos. Em 2010, o orçamento anual do órgão foi de R$ 4 bilhões de reais, já em 2014 esse número caiu para R$ 1.395,551, 748. Uma sangria de 85% dos recursos.
Para o economista da Auditoria Cidadã da Dívida, Rodrigo Ávila, essa queda sistemática de verbas destinadas ao Incra está diretamente ligado à estagnação da Reforma Agrária em todo país.
“O orçamento é a expressão do poder político de cada grupo dentro do governo. Enquanto os rentistas ficam com R$ 1,356 trilhão, o MDA fica com apenas R$ 1,8 bilhão. Desta forma, a agricultura brasileira permanece caracterizada pelos monocultivos de exportação, enquanto a agricultura familiar, voltada para o mercado interno, permanece com a menor parte das terras”, destaca.
Ávila ressalta ainda que este modelo econômico e agrícola “permite a atual inflação de alimentos, que pressiona o índice geral de inflação, que de forma absurda, é usada como justificativa para aumentar ainda mais os juros, como um círculo vicioso que tira mais dinheiro da Reforma Agrária”.
O economista lembra que este corte significa a redução da metade do Orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário. “Este orçamento já era pequeno, de R$ 3,6 bilhões, e agora foi reduzido a R$ 1,8 bilhão, o que representa 753 vezes menos do que a previsão de gastos neste ano com juros e amortizações da dívida pública federal, de R$ 1,356 trilhão. Este valor reservado à dívida não foi cortado em um centavo sequer, e está fora de qualquer discussão do governo ou dos grandes meios de comunicação”, afirma.
Impactos
O valor total do contingenciamento de R$ 69,9 bilhões prevê uma redução significativa de verbas em ministérios fundamentais para o desenvolvimento do país como saúde, educação e agrário.
A redução de gastos tem por objetivo manter equilibradas as contas públicas, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com o corte, o governo pretende cumprir a meta de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).
Esse é o maior corte feito pelo governo Dilma. Em 2011, primeiro ano de mandato, o bloqueio foi de R$ 50 bilhões. Em 2012, esse valor subiu para R$ 55 bilhões. Já em 2013, o corte foi de R$ 38 bilhões, e em 2014, R$ 44 bilhões.
Para Rodrigo Ávila, o pacote apresentado pelo governo nada tem a ver com austeridade, mas sim com o corte de gastos sociais para destinar mais recursos aos grandes bancos e investidores, os principais beneficiários da dívida pública.
Ele afirma ainda que a dívida pública é o pano de fundo para justificar a edição de pacotes de austeridade fiscal e corte de direitos, e que a auditoria da dívida é o caminho para identificar as falácias do governo para impor essas medidas.
“A auditoria da dívida está prevista na Constituição de 1988, porém, jamais foi realizada. Recentemente, o Equador decretou uma auditoria oficial da dívida, chamou a sociedade civil para participar, e assim mostrou diversas ilegalidades neste endividamento”, recorda.
Após esse episódio, o Equador conseguiu anular 70% da dívida externa com os bancos privados internacionais. “Ou seja, é possível enfrentar o setor financeiro, basta vontade política. Aqui no Brasil também foram constatados diversos e graves indícios de ilegalidades na dívida pública, muitos deles semelhantes aos do Equador. A recente Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida na Câmara dos Deputados identificou a influência dos bancos na definição das taxas de juros pelo Banco Central, dentre vários outros graves indícios de ilegalidades. Tudo isso deveria ser auditado, com a participação da sociedade civil”, finaliza.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

quinta-feira, 28 de maio de 2015

METRÓPOLE E A ORDEM URBANA.

Metrópole e Ordem Urbana. Pela desmilitarização da polícia. Entrevista especial com José Claudio Alves

“Se você vai discutir a ordem metropolitana, é preciso discutir toda a complexidade das representações culturais, políticas e econômicas na dimensão de uma metrópole”, afirma o sociólogo.
Foto: portalbo.com
As disputas políticas e sociais fazem com que a metrópole “se torne um campo permanente de conflitos”, pontua José Claudio Alves, que há anos estuda as tensões urbanas e as intervenções policiais nas favelas do Rio de Janeiro. Para ele, na organização da metrópole, a polícia ocupa um lugar central enquanto organização “preparada, instruída, qualificada e, por isso mesmo, militarizada para intervir unilateralmente na proteção, na segurança, na prevenção, na garantia da ordem de determinados grupos”. A ordem da organização social, reitera, “não se estabelece a partir da metrópole; ao contrário, é uma ordem estabelecida a partir dos que dominam os interesses econômicos e políticos dentro da metrópole”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o professor comenta a atual situação das Unidades de Polícia Pacificadora – UPPs instaladas em algumas favelas cariocas, e enfatiza que os policiais foram “transformados” pelo “modus operandi da estrutura policial anterior”. Para ele, “isso explica por que as Unidades Pacificadoras são o atual fracasso de uma política de segurança. Achou-se que meramente colocando pessoas com uma formação mínima dentro dessa estrutura toda, seria possível alterar a estrutura. Mas, pelo contrário, essa estrutura toda engoliu a estrutura de Polícia Pacificadora, reproduziu a lógica da repressão”.
Entre os desafios das metrópoles brasileiras, Alves menciona a necessidade de “quebrar a estrutura de segregação, a clivagem ideológica, política e econômica sobre determinados estratos sociais” e “(re)estabelecer um diálogo com esta outra face da sociedade”.
Na noite de hoje, José Claudio Alves estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ministrando a palestra Metrópole e Ordem Urbana: pela desmilitarização da política, a qual integra o Ciclo de Estudos Metrópoles, Políticas Públicas e Tecnologias de Governo. Territórios, governamento da vida e o comum. O evento inicia às 19h45, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.
José Claudio Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. É professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do ISER Assessoria.
Confira a entrevista.
Foto: blogdonpc.wordpress.com
IHU On-Line - Qual é o papel da polícia na metrópole?
José Claudio Alves - É uma perspectiva bem mais complexa daquela que possamos imaginar, já que na metrópole se dá a relação entre diferentes grupos e espaços sociais, uma relação espacial com dimensões muito mais amplas, com um montante de pessoas aglutinadas em áreas específicas, espaços de segregação, espaços de hipervalorização por parte do capital, áreas controladas com interesses de manutenção de setores de poder, poder político, inclusive. Tudo isso faz com que a metrópole se torne um campo permanente de conflitos dos mais diferentes segmentos, das mais diferentes forças que estão ali disputando essa dimensão. O papel que a polícia cumpre hoje é praticamente unilateral, é unidimensional, se estabelece a partir de uma lógica militarizada, que é a que predomina na sua formação. Teoricamente, ela está ali para garantir a ordem, a segurança, mas na verdade trata-se de um papel do Estado de garantir, sim, interesses em determinadas estruturas, determinados segmentos, determinados espaços sociais, econômicos e políticos que estão presentes ali.
Tipos de violência
Então, essa polícia, de forma alguma, cumpre algum papel mais comum ou mais amplamente falando de garantia, de proteção e, sobretudo, de preservação da vida. Pelo contrário, ela tem sido uma polícia preparada, instruída, qualificada e, por isso mesmo, militarizada para intervir unilateralmente na proteção, na segurança, na prevenção, na garantia da ordem de determinados grupos. Não é uma polícia capaz de compreender quem é o outro, quem ela combate. Isso, normalmente, tem se confundido ao longo da história da polícia: os fatos mais recentes de confronto da polícia com manifestantescomo professores, estudantes ou outros segmentos de classe média que se manifestaram mais recentemente, levaram também a uma maior percepção dessa forma unilateral e dessas dimensões muito frágeis que a polícia possui na sua práxis. E ela é uma instituição de tal maneira blindada, fechada e organizada, que simplesmente não participa de nenhuma outra forma de reflexão, permanecendo estruturada dessa maneira sem se alterar. Em relação à população de classe média, branca, em espaços urbanos privilegiados, a polícia usa gás, bala de borracha e bombas de efeito moral, mas em espaços segregados, com população pobre, de pessoas negras, de periferias e favelas, há uma violência descomunal, que tem gerado neste país os índices mais altos de homicídio no mundo.
O Brasil registra hoje índices de violência superiores a várias áreas que têm conflito aberto em forma de guerra. Então, essa polícia não serve mais, não tem a menor capacidade de alterar-se a si mesma. A polícia vive hoje essa grande contradição: não é capaz de fazer essa reflexão, e por conta disso se transforma em um dos maiores empecilhos, dos maiores problemas, a meu ver, de uma compreensão mais plural, mais diversificada, mais complexa, buscando uma maior igualdade e participação dentro das cidades. Sobretudo porque o papel do Estado no Brasil é cada vez mais marcadamente a favor de grandes grupos, de grandes estruturas, sobretudo os financiadores de campanha, que são aqueles que irão bancar o padrão eleitoral atual e que terão seus porta-vozes ouvidos dentro do aparelho do Estado e a quem a polícia irá servir.

"O papel que a polícia cumpre hoje é praticamente unilateral, é unidimensional, se estabelece a partir de uma lógica militarizada"

 





IHU On-Line - No que consiste essa normatização da polícia?
José Claudio Alves – Essa normatização é direcionada para os modelos de ganho e de dominação dentro desses espaços. Então, é possível se ter a atuação da polícia, por exemplo, para arrancar uma população específica de uma área de preservação ambiental onde a legislação irá dizer que aquela comunidade não pode se estabelecer ali e, ao mesmo tempo, essa mesma legislação irá dizer que um BRT — que é modelo de transporte coletivo — pode passar exatamente sobre aquela área e causar o mesmo dano sem que haja alguma intervenção policial ou coisa parecida. A polícia, no fundo, serve a uma estrutura jurídica que está baseada e voltada para o favorecimento daqueles que detêm o capital. Então, essa polícia atua, dentro do espaço urbano, no reconhecimento, na imposição e na valorização desses que têm a estrutura jurídica em suas mãos, os quais controlam a estrutura jurídica. Logo, ela não é uma polícia que visa ao bem comum; ela vê a metrópole na sua complexidade ou ela estabelece uma outra relação de ouvir, dialogar ou estabelecer algum tipo de interlocução com os segmentos sociais diferenciados daqueles para quem eles trabalham.
Os policiais cumprem ordem e isso faz parte também da lógica militarizada, onde há uma hierarquização imensa. Esses espaços hierarquizados se impõem e a polícia se torna um cumpridor de ordens. Pouco importa se ela é a polícia que mais mata, portanto é homicida, e também é suicida, porque é a que mais morre. Pouco importam, inclusive, os efeitos que essa lógica tem até mesmo sobre o próprio policial. O que acontece mesmo é a manutenção desse modelo de uma ordem específica para grupos específicos.
Ordem metropolitana
Se você vai discutir a ordem metropolitana, é preciso discutir toda a complexidade das representações culturais, políticas, econômicas na dimensão de uma metrópole. Não é isso que é feito. Existe uma normatização a partir do jurídico, do legal, do processo jurídico em si mesmo, e a polícia simplesmente cumpre um papel nessa estrutura toda. Não estou isentando a polícia, só estou mostrando o lugar que ela ocupa e, portanto, das próprias limitações e mesmo da própria afirmação positiva do seu papel extremamente repressivo, agressivo e violento, por assim dizer, em relação aos que se diferenciam dentro do espaço metropolitano da lógica dominante daquele espaço. É assim que vejo essa estrutura policial. Há uma ordem, sim, mas não é uma ordem que se estabelece a partir da metrópole; ao contrário, é uma ordem estabelecida a partir dos que dominam os interesses econômicos e políticos dentro de uma metrópole.
IHU On-Line – Em que consiste o conceito de militarização da polícia? Quais as implicações da militarização?
José Claudio Alves – Essa lógica ou essa concepção militarizada da estrutura policial assumiu as proporções atuais a partir do Golpe Civil-Militar de 1964 — claro que anteriormente houve também essa mesma construção, estamos falando de mais de 200 anos de polícia no Brasil, e desde seu início creio que essa concepção militarizada esteve sempre presente. Então, na vigência desse modelo, essa polícia foi transformada, sim, em um braço ostensivo, em um braço cooperativo e para o funcionamento da própria estrutura da Ditadura Militar, para o seu controle. É um braço armado em permanente monitoramento, como um braço ostensivo que estará atuando permanentemente — essa era a lógica da ditadura. E isso permanece até os dias de hoje, só que, ao invés da guerra à subversão, da guerra à revolução, da guerra aos grupos clandestinos armados, essa polícia agora assume uma mesma lógica de guerra junto ao que se chama de “o crime organizado”. Grosso modo, sobretudo, trata-se da estrutura do tráfico de drogas.

"A polícia, no fundo, serve a uma estrutura jurídica que está baseada e voltada para o favorecimento daqueles que detêm o capital"

Nessa concepção de guerra ao tráfico, o que se tem é uma estrutura cada vez mais fortalecida em termos de equipamentos, veículos, armamentos e comunicação. Há uma estrutura que avança progressivamente nessas áreas em uma concepção de que o inimigo terá que ser vencido em uma lógica de guerra. A militarização caminha nessa direção, a militarização é a estrutura preparada para uma guerra; ela existe como o melhor modelo milenar das estruturas que foram sendo criadas em torno de processos de guerra. Ele funciona, basicamente, prioritariamente, em uma estrutura de guerra. E fazendo isso há um aumento crescente das operações onde a polícia tem que sair vitoriosa quando se confronta com o inimigo. Um confronto com o inimigo é determinante, é decisivo para todos, para a hierarquia, para os comandantes, para os praças, os soldados. O único alvo a ser alcançado é a vitória sobre o inimigo.
Indústria bélica e o processo de militarização
Essa vitória é determinante ainda para a indústria bélica; ela é fundamental para o estabelecimento desse modelo de segurança e de paz. Chamamos de Pax Romana e também a Pax do Império atual estadunidense, a qual é garantida, sobretudo, pela dimensão que a indústria bélica vai ter nessa estrutura. Mas ela serve tanto para a própria polícia, que estará atuando dessa forma militarizada, como também é determinante — e isso a indústria bélica compreende muito bem e todos nós compreendemos — para os inimigos, à medida que os instrumentos de militarização serão utilizados por eles também. Os inimigos não vão se estabelecendo nesse campo de guerra meramente como passivos ao recebimento de uma estrutura militarizada, eles também vão se militarizar. Assim, as estruturas do crime hoje, sobretudo do tráfico de drogas, também terão um correlativo, que é a sua militarização a partir de armamentos oriundos da indústria bélica.
No fundo o que se tem hoje no Brasil são segmentos de classes populares, classes pobres, que compõem tanto a polícia quanto o tráfico de drogas, extremamente armados, em um processo de conflito chamado “Guerra do tráfico”, a partir do qual morrem milhares de pessoas anualmente em nome de uma pretensa segurança. O que se vive hoje é um permanente confronto e um descontrole, pois esta estrutura militarizada é incapaz de controlar, por exemplo, o tráfico de armas ou mesmo o tráfico de drogas, porque tanto um quanto o outro lida com capitais muito vultosos, nos quais a própria estrutura policial irá se inserir. Nesse sentido, a própria estrutura hierarquizada, militarizada, vive permanentemente em contato com esses capitais que se movimentam tanto pelo tráfico de drogas como pelo tráfico de armas, roubo, sequestros, o próprio jogo do bicho. Tudo isso forma um montante muito grande de dinheiro, sobretudo em cidades metropolitanas como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo.
Atualmente se trabalha com dimensões que chegam à soma dos bilhões de reais, ou seja, não é uma quantia pequena de dinheiro que está por trás disso. Logo, toda essa estrutura militarizada, montada, que é para nós uma expressão da garantia da segurança, nada mais é do que uma expressão muito mais articulada e muito mais complexa da própria presença do Estado — da lei, da justiça — nessas estruturas mais amplas do tráfico de drogas, do tráfico de armas, do jogo do bicho, da contravenção, movimentando milhões de reais.

 

 

"É preciso uma reconfiguração dessa estrutura policial por dentro"

Corrupção policial
Então, para nós, essa expressão militarizada é falsa, é uma farsa, porque no fundo não expressa os interesses de coletividade como um todo na sua complexidade, mas expressa cada vez mais os interesses de alguns segmentos que controlam essa estrutura militarizada. Por exemplo, no Rio de Janeiro, de seis anos para cá, todo o ‘arrego’, todo o suborno, o recurso e a grana obtida na corrupção policial se concentram nas mãos dos comandantes. Os próprios praças, os policiais já não conseguem mais ganhar dinheiro a partir daí como ganhavam antes. Então, esses próprios policiais se rearranjam em outras estruturas do crime organizado, sobretudo as milícias, que já são uma estrutura própria só dos policiais e dos praças menores. A estrutura dos comandantes vive desse recurso obtido no ‘arrego’, no suborno, na corrupção direta que o policial exerce.
IHU On-Line – O que seria uma proposta oposta a essa polícia militarizada? A polícia pacificadora seria uma alternativa? Como o senhor avalia, nesse sentido, os casos de violência que ocorrem nas favelas pacificadas, por exemplo, no Rio de Janeiro?
José Claudio Alves – Uma polícia que não fosse militarizada seria uma polícia na qual o policial tivesse outro papel, e não um papel de ser meramente subordinado a uma hierarquia, mas um papel de diálogo dele com ele mesmo, de compreensão da sua intervenção, do seu modelo, de reflexão sobre onde ele está, de com quais grupos ele lida, para que ele tivesse sua capacidade de decisão sendo respeitada. Assim, ele seria de fato sujeito e não simplesmente alguém que obedece, alguém subordinado, alguém que se submete a uma estrutura hierarquizada de comando. Saindo dessa estrutura, ele assumiria um papel muito mais protagonista, reflexivo, amadurecido, com capacidade de discussão, de compreensão e de diálogo, do que meramente o de reprodutor de uma estrutura militarizada que tem que se perpetuar e se reproduzir e seguir da forma como ela segue hoje.
Fracasso das UPPs
Então se quebraria praticamente a espinha dorsal dessa dimensão. Isso significa que não haveria mais o policial subordinado, mas decisões tomadas institucionalmente a partir daqueles que operam e que atuam diretamente e com uma concepção dialogal com a sociedade. Claro que para fazer essa transição é muito mais complexo. As estruturas hoje militarizadas criaram seu modus operandi, a sua cultura de funcionamento. Não adianta colocar 1/3 da polícia do Rio de Janeiro trabalhando em UPPs e achar que esse 1/3 irá conseguir transformar o resto dos 2/3; isso não ocorre, não é assim que funciona e, inclusive, aconteceu o contrário. O 1/3 de policiais que estão hoje nas UPPs foi transformado na mesma lógica da cultura, do modus operandi da estrutura policial anterior. Isso explica por que as Unidades Pacificadoras são o atual fracasso de uma política de segurança. Achou-se que meramente colocando pessoas com uma formação mínima dentro dessa estrutura toda, seria possível alterar a estrutura. Mas, pelo contrário, essa estrutura toda engoliu a estrutura de Polícia Pacificadora, reproduziu a lógica da repressão, o não diálogo com a comunidade, a crueldade e a violência em cima dessas populações, o desaparecimento crescente de pessoas nessas áreas, a composição dessa polícia pacificadora com outras facções do tráfico ou mesmo com milicianos. Não houve uma alteração significativa, não houve UPP Social — isso nunca ocorreu, é uma balela —, nunca houve a escuta de fato das demandas que essas populações vivem, e a polícia foi colocada em uma espécie de “policização” da política social, como se fôssemos capazes de fazer isso.
Mas o policial é incapaz de refletir sobre o seu papel dentro da polícia; ele cumpre ordens na estrutura militarizada. Como você vai pedir a alguém que cumpre ordens ou que segue dentro de uma cultura ou de um modus operandi militarizado, que ele agora tenha uma dimensão de diálogo e de comprometimento com uma reflexão de uma coletividade nas suas contradições e nos seus problemas seculares que nunca foram resolvidos? É incapaz de fazer isso; não pode se exigir dele essa dimensão.
Estrutura policial
Então, é preciso uma reconfiguração dessa estrutura policial por dentro. O próprio policial vai perceber isso, ele que recebe pouco, que é militarizado em uma lógica hierárquica, que não tem capacidade de diálogo e de reflexão, que não tem autonomia de decisão, que é reprimido em qualquer demanda que faça, ele que não pode se organizar politicamente dentro da estrutura porque é proibido. Esse policial é o primeiro a querer uma transformação da estrutura militarizada da polícia. Não adianta jogar o policial em uma área ocupada por UPPs e achar que ele irá mudar a lógica de funcionamento. Ao contrário, ele irá reproduzir o modelo, porque o modelo é muito mais forte, muito mais amplo. Transformar essa estrutura em uma estrutura de diálogo com comunidades pobres é algo que não ocorre. Há a exceção de um ou outro comandante, os quais acabam se transformando em intelectuais.

"Existe uma normatização a partir do jurídico, do legal, do processo jurídico em si mesmo, e a polícia simplesmente cumpre um papel nessa estrutura toda"

 



composição social da polícia já é formada por pessoas que vêm dos estratos sociais mais baixos. Daí você entende por que inúmeros policiais vão progressivamente se envolver com o próprio crime organizado e tomar a frente dessa organização do crime, porque isso se transforma na possibilidade de ele salvar-se a si mesmo, “de ganhar o seu” e de se estruturar economicamente de forma melhor. Esse é o último recurso para o qual ele está vendo possibilidade: ele é um PM com arma e distintivo na mão, capaz agora de ganhar dinheiro por fora da estrutura oficial. É essa a lógica que hoje predomina. É necessário quebrar toda essa estrutura e reconfigurá-la.
Eu sei que você pode me perguntar se isso é possível. Eu não saberia te dizer de fato. O que tenho visto até hoje é que não: até hoje essa estrutura se perpetua, se reproduz, não quer ser alterada, quer manter seus interesses. É muito melhor estar em uma estrutura repressiva de guerra ao tráfico, em que se possa receber do Comando Vermelho e doTerceiro Comando milhares de reais a cada semana com a manutenção do tráfico — porque o tráfico gera esse dinheiro —, do que acabar com essa estrutura e jogar o próprio policial para uma dimensão que nem ele mesmo sabe qual é e para a qual ele não tem sequer capacidade reflexiva.
IHU On-Line – Por que crimes como assaltos, furtos e roubos apavoram tanto quando chegam a áreas mais nobres das metrópoles? O que significa a chegada desses crimes nesses locais?
José Claudio Alves – O que sabemos é que são áreas muito mais monitoradas, de muito maior interesse por parte de grupos dominantes que controlam tanto a economia como o poder político nesses locais. Há núcleos muito mais ricos, interessantes e valorizados onde a reprodução do capital e dos seus ganhos é projetada de forma muito maior do que nas outras áreas da metrópole. Logo, qualquer ato, qualquer gesto, qualquer dimensão dessa violência que atinja essas áreas ganhará uma divulgação midiática absurda e vai se reproduzindo, e começa a estabelecer um olhar dessa mídia sobre esses atos que normalmente já ocorriam anteriormente.
Normalmente agora há uma lógica de criminalização dos menores, então se pegam esses casos de menores e se dá uma projeção midiática. Claro que se você for estudar os casos de menores que cometeram algum atendado contra a vida de pessoas, vai descobrir que, do total de menores infratores criminalizados por práticas desse tipo, o percentual é de 0,013%, ou seja, algo inexpressivo. Mas dentro de uma lógica metropolitana, de uma lógica de interesses de grupos específicos de determinadas áreas, em uma lógica do debate crescente sobre redução da maioridade penal, matérias desse tipo vão ganhar vulto, vão vender e vão se transformar em grandes propagadoras de mentalidade, sobretudo de uma classe média que se vê também refém dessas reflexões e em pânico. É uma classe média que não tem acesso à informação, que depende também do acesso à informação que a mídia dá e que não tem outros mecanismos de reflexão, de pensamento, de questionamento, de debate. Ela está aprisionada nessa clausura midiática totalitária que virou também o mundo metropolitano e acompanha essa onda midiática, consome e projeta mais ainda essa onda, criando assim um movimento metropolitano como este que está no Rio de Janeiro agora.
Essa onda de pânico vai criminalizar mais ainda e isso vai desaguar, com certeza, em modelos mais punitivos, agressivos e violentos que não vão, de forma alguma, favorecer a discussão sobre a segurança da metrópole, mas reforçar mais ainda a lógica militarizada, a ocupação militarizada de áreas e a estrutura militarizada que nós temos hoje, praticada tanto pela polícia quanto por grupos criminosos, como grupos de traficantes e de tráfico de armas.

"Não houve uma alteração significativa, não houve UPP Social, nunca houve a escuta de fato das demandas que essas populações vivem, e a polícia foi colocada em uma espécie de “policização” da política social, como se fôssemos capazes de fazer isso"

IHU On-Line – Quais os maiores desafios das metrópoles brasileiras no quesito segurança pública?
José Claudio Alves – O maior desafio é, dentro da metrópole, quebrar a estrutura de segregação, a clivagem ideológica, política e econômica sobre determinados estratos sociais, e estabelecer os fluxos culturais, sociais e econômicos desses grupos segregados, estigmatizados, enclausurados e praticamente, totalitariamente, mantidos dentro da metrópole como grupos perigosos ou como segmentos de risco. Para fazer isso teria de se fazer de fato uma revolução política, econômica e social — revolução no sentido literal da palavra. Teria de revolver os segmentos de baixo e colocá-los em cima, o que não é o caso na história brasileira atual. Atualmente não temos nenhum processo revolucionário, até porque quem tem armas, que é o tráfico e a polícia, não está interessado em revolução, mas na manutenção do seu ganho de dinheiro a partir do crime e dos vínculos que esse crime tem com o capital como um todo.
Mas o maior desafio é encontrar uma forma de escapar de uma lógica segregada, estigmatizada, de uma dimensão fechada, preconceituosa e discriminatória em cima de populações pobres favelizadas e periféricas, estabelecer o fluxo, o diálogo, o reconhecimento desses setores e, a partir daí, estabelecer a capacidade deles de determinar também o caminho dos seus espaços, das suas vidas, da sua estrutura econômica e política, e saírem dessa dimensão. Essa, para mim, é a maior dificuldade.
Manifestações
Não adianta grandes manifestações da classe média mostrando seu dissabor por agora estarem negativadas no crédito, não terem políticas públicas adequadas de mobilidade, de habitação, saúde, educação, ou seja lá qual for. Não adianta somente isso; isso é importante dentro da metrópole, mas outros segmentos muito mais vultosos e muito mais determinantes são absolutamente segregados e silenciados diariamente por repressões diárias, violentas e cruéis feitas pela estrutura da polícia e a estrutura da segurança pública, e eles não têm espaço de fato para se manifestarem.
A meu ver, ao romper esse muro invisível dessa maior câmara de gás sem gás do mundo, desse maior campo de concentração e de extermínio do mundo, sem arame farpado, que somos nós, romper com essas estruturas e (re)estabelecer de fato — creio que nunca foi estabelecido de fato — um diálogo com esta outra face da sociedade, é o grande dilema, é o grande desafio para qualquer metrópole hoje no Brasil.
Por João Vitor Santos e Patricia Fachin
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos

PRONATEC E CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS SOFRERÃO CORTES.

Pronatec e Ciência sem Fronteiras sofrerão cortes este ano, diz MEC



Mariana Tokarnia - Repórter da Agência Brasil Edição: Jorge Wamburg
O Ministério da Educação (MEC) vai cortar vagas dos programas Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e Ciência sem Fronteiras, de acordo com nota divulgada pela pasta. Mas programas de merenda e transporte escolar, além do Dinheiro Direto na Escola (PDDE), destinado a melhorias nos centros de ensino, serão mantidos sem cortes.
O MEC informou que Pronatec, o Ciência sem Fronteiras e "e outros, têm a sua continuidade garantida este ano, com o redimensionamento na oferta buscando otimizar o atendimento dos estados e das vagas, com ofertas que ainda serão definidas, mas que quantitativamente serão em número inferior ao do ano passado".
De acordo com a nota, o número de vagas ofertadas pelo Pronatec será divulgado em breve. O programa foi criado em 2011 para expandir a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no país. Foi um dos carros-chefes na campanha da presidenta Dilma Rousseff, com o anúncio que pretendia criar mais 12 milhões de vagas.
Um dos programas reduzidos dentro do Pronatec será o Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec). O Sisutec, que seleciona para o ensino técnico estudantes que concluíram o nível médio com base nas notas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), já teve as inscrições adiadas mais de uma vez. Não haverá edição no primeiro semestre, como geralmente ocorre. No ano passado, o programa ofereceu aproximadamente 580 mil vagas, somadas as duas edições.
O Ciência sem Fronteiras tem editais de graduação e pós-graduação lançados ao longo de todo o ano. O programa implementou 78.173 bolsas, de acordo com o site do programa. No ano passado a presidenta Dilma renovou o Ciência sem Fronteiras e garantiu 100 mil bolsas até 2018 além das 101 mil prometidas até o final de 2014.
Além dos cortes, o MEC garantiu a manutenção integral dos programas PDDE, da merenda e do transporte escolar. Os três, referentes à educação básica, constam na Lei Orçamentária Anual como despesa obrigatória. Para o PDDE estão previstos R$ 2,93 bilhões – no ano passado estavam previstos R$ 2,5 bilhões. Foram destinados R$ 594 milhões para o programa de transportes, mesmo valor previsto no ano passado, e aproximadamente R$ 3,8 bilhões para o da merenda, contra R$ 3,6 bilhões no ano passado.
"Para se adequar aos ajustes, o  MEC vai priorizar atividades como a construção de creches. O ministério também atua no sentido de garantir os recursos de custeio necessários para garantir o funcionamento das universidades e Institutos", diz a nota.
O contingenciamento de recursos do Orçamento Geral da União 2015 foi anunciado na semana passada. Os ministérios das Cidades, da Saúde e da Educação lideraram os cortes. Juntas, as três pastas concentraram 54,9% do contingenciamento (bloqueio) de R$ 69,946 bilhões de verbas da União. Na área de educação, o contingenciamento totalizou R$ 9,423 bilhões.

RÚSSIA EMBARGA FRIGORÍFICOS BRASILEIROS.

Rússia embarga frigoríficos brasileiros

Michèlle Canes - Repórter da Agência Brasil Edição: Fábio Massalli
Em nota publicada hoje (27) no portal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o órgão disse que vai pedir informações ao governo russo sobre a situação dos dez frigoríficos brasileiros que foram embargados pelo serviço veterinário daquele país. “O ministério está solicitando informações detalhadas ao governo russo sobre a situação de cada um dos frigoríficos embargados, para tomar as providências necessárias para correção de cada caso e comunicação às autoridades russas”, diz o texto.
Segundo a nota, cinco dos frigoríficos que foram embargados solicitaram não participar da auditoria feita pelo governo da Rússia por motivos próprios. O texto diz também que o procedimento é rotineiro. “A comunicação da autoridade russa acerca dos dez frigoríficos brasileiros embargados [dos quais cinco solicitaram não participar da auditoria por motivos próprios] decorre de um processo de rotina feito pelo governo daquele país, procedimento bastante comum em negociações sanitárias internacionais”.
De acordo com o ministério, a exportação da carne brasileira para a Rússia está assegurada, pois mais de 60 frigoríficos estão habilitados a fazer a comercialização tanto da carne bovina como da suína.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

METRÓPOLES E MULTIDÃO.

Metrópoles e Multidão: das políticas públicas às políticas do comum. Entrevista especial com Alexandre Mendes

“A metrópole venceu: ela implodiu-explodiu todos os muros disciplinares que pretenderiam governar o espaço e irrompeu como um fenômeno global”, afirma o pesquisador.
Foto: Blog adcidade
Compreender o espaço urbano à luz dos conceitos “metrópole”, “neoliberalismo” e “biopolítica” é fundamental para perceber como este se constitui enquanto um “território das lutas e da produção de uma nova subjetividade, aquela correlata às modificações da relação entre produção e espaço”, pontua Alexandre Mendes em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail.
Na avaliação dele, a metrópole é hoje uma “verdadeira ‘fábrica social e difusa’, uma nova usina produtiva que opera, não por linhas, moldes e rígidas topologias, mas por redes, modulações e apreensões intensivas do fluxo social”. Ele explica que essas “apreensões buscam, justamente, a apropriação de tudo que é produzido em comum através das relações e cooperações que entram em ebulição no movimentado caldeirão das metrópoles”.
Na entrevista a seguir, Mendes traça ainda uma distinção entre o que vem a ser a cidadania concebida a partir da ideia de “comum” e as formas keynesianas ou neoliberais que propõem a gestão do espaço urbano, sinalizando que o conceito de comum “nos ajuda a pensar também nas formas atuais de fazer política e luta na metrópole”. As políticas do comum, diferente das demais, pontua, “assumem o desafio de caminhar para além do bem-estar e da dívida (do público e do privado), buscando potencializar formas de conduta e de subjetivação que deslizam dos mecanismos disciplinares-fabris e do biopoder das finanças (...). Elas assumem o terreno biopolítico e produtivo da metrópole garantindo e proliferando espaços de cooperação, encontro de singularidades, mobilização e constituição relativamente autônoma da vida. Elas miram naquilo que Lefebvre e Bachelard definiam como uma poética do espaço: o habitar como poeta, a vida como obra de arte”.
Alexandre F. Mendes (foto abaixo) é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Cândido Mendes – UCAM. Foi Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, entre 2006 e 2011, tendo coordenado o Núcleo de Terras e Habitação (2010).
Atualmente pesquisa Teoria Política e Teoria do Direito e realiza investigações em Sociologia Jurídica e Sociologia Urbana. É pesquisador associado do Laboratório Território e Comunicação – LABTEC da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e participa da rede Universidade Nômade e dos Círculos de cidadania – Rio de Janeiro, Publicou, com Bruno Cava, o livro A vida dos direitos. Violência e Modernidade em Foucault e Agamben (2006). É coeditor da Revista Lugar Comum: Estudos de Mídia, Cultura e Democracia, da UFRJ.
Confira a entrevista.
Foto: Cristina Guerini
IHU On-Line – De que maneira devemos compreender a Metrópole contemporânea? Por que ela se tornou um conceito-chave para decifrarmos os desafios do século XXI?
Alexandre F. Mendes - Há muito tempo se percebe um sonho disciplinar com relação à cidade. Do acampamento romano ao planejamento moderno, trata-se de esquadrinhar o espaço a partir de uma lógica hierárquica, geométrica e funcional, que busca organizar os fluxos da cidade através de fronteiras bem determinadas. Le Corbusier, o famoso arquiteto suíço, abre o seu livro L’Urbanisme invocando o caminhar do homens, aquele que avança em linha reta, com postura altiva, sendo coberto de racionalidade, contra o caminhar das mulas, andar torto, em curvas, direcionado ao chão, que gera confusão e produz uma mistura perigosa para os homens. No mesmo livro, a metrópole de Nova York aparece como o contraexemplo ruidoso de todo urbanismo possível: amálgama pernicioso, espaço dissonante, usina tóxica de homens perdidos. No entanto, no confronto com a utopia da cidade-racional, talvez seja o caso de afirmar que a metrópole venceu: ela implodiu-explodiu todos os muros disciplinares que pretenderiam governar o espaço e irrompeu como um fenômeno global. Não por acaso, em seus breves comentários sobre o urbano, Foucault notou que a escola americana (os urbanistas de Chicago) tinha captado a tendência biopolítica das cidades: não esquadrinhar o espaço a partir de um marco zero, mas compreender e estar inserido nos fluxos produzidos pelo próprio urbano.
metrópole, então, é este híbrido biopolítico, espaço da desmedida, território mil-folhas, terreno da proliferação. Se, para Foucault, o controle da peste reclama uma solução disciplinar, a metrópole deve ser pensada através do contágio e da proliferação. É evidente que nos deparamos, portanto, com novas e sofisticadas formas de controle (a normalização cujo modelo, para o filósofo, é o controle da varíola), mas também com extraordinárias possibilidades de disseminação de novas resistências.
IHU On-Line – Nesse sentido, como as concepções da Metrópole e da Multidão inauguram categorias sociológicas e filosóficas com potência para o surgimento de novas construções democráticas e de direitos em nossas sociedades?
Alexandre F. Mendes - É interessante notar que vários autores, de diferentes matrizes, perceberam que na virada política dos anos 1970 residia uma nova forma de abordar o urbano. Henri Lefebvre, no livro A revolução urbana, recusou ver o espaço como um meio indiferente, como aquela “soma dos lugares onde a mais valia se forma e se distribui” (Lefebvre, H. 1970), para reconhecer que, cada vez mais, o espaço era produzido por um trabalho social de caráter global. O urbano irrompe, portanto, como um conjunto de relações que penetra e constitui o espaço como um campo de interações e atividades sociais, afastando o papel central do mapa físico e da utopia do plano (Simoni de S., 2013). Na mesma década, o filósofo Antonio Negri provocou uma interessante polêmica em torno da passagem do conceito de operário-massa para o operário-social. Tratava-se de constituir o urbano como o território das lutas e da produção de uma nova subjetividade, aquela correlata às modificações da relação entre produção e espaço. Recentemente, a metrópole é percebida como uma verdadeira “fábrica social e difusa”, uma nova usina produtiva que opera, não por linhas, moldes e rígidas topologias, mas por redes, modulações e apreensões intensivas do fluxo social. Essas apreensões buscam, justamente, a apropriação de tudo que é produzido em comum através das relações e cooperações que entram em ebulição no movimentado caldeirão das metrópoles. Por isso podemos facilmente tecer uma relação entre metrópoleneoliberalismo e biopolítica. O neoliberalismo, segundo Foucault, seria justamente uma arte de governar que busca um governo da sociedade, uma política da vida, isto é, ele não se caracteriza por um governo econômico das trocas, mas da condução e constituição das próprias relações sociais, do “ambiente social” e das subjetividades a partir da forma-empresa.
É possível provocar um novo tipo de “greve” (ou seja, de luta social e por direitos), no horizonte móvel das metrópoles biopolíticas? A resposta é, sem dúvida, afirmativa e poderia ser desdobrada em inúmeros exemplos. Para mencionar um deles, é curioso perceber que, a partir da década de 1990, iniciou-se uma reflexão sobre a governança global das metrópoles, convertidas não apenas em verdadeiros players, mas em máquinas de produção de novas hierarquias. É a figura simbólica do “arranha-céu” de Saskia Sassen (o comando está no topo), mas também dos “territórios de fragmentação e dinheiro” de Milton Santos (as solidariedades verticais cujo epicentro são as empresas hegemônicas). Por outro lado, não poderíamos afirmar que, a partir da crise de 2008 e do ciclo de lutas da primavera árabe, não se formou uma cooperação, desde baixo, entre várias metrópoles insurgentes: CairoMadridAtenasNova York,IstambulSão PauloRio de Janeiro etc., renovando e requalificando as lutas anteriores por outra globalização(SeattleGênovaBangaloreCochabamba etc.)?
Centralidade do comum
É a partir de ambos os ciclos que podemos enxergar um amplo e intenso trabalho de reflexão e construção de uma nova linguagem e composição de direitos que têm como fio condutor a centralidade do comum: direitos relacionados à proteção e ao compartilhamento autônomo de saberes, informações e linguagens; direitos voltados para o acesso e organização democrática dos serviços relacionados diretamente à vida (energia, água, tecnologia etc.), direitos relacionados ao bem viver (no vocabulário restrito do Fórum Social Mundial V: “os bens comuns da Terra e dos povos”), direito de auto-organização de territórios indígenas, direito a viver e se expressar a partir de diferentes culturas e cosmovisões, direitos relacionados a uma cidadania global etc. Além disso, recentemente, os direitos relacionados à mobilidade urbana, à preservação dos espaços comuns da metrópole (parques, áreas de uso comum etc.) e, fundamentalmente, os direitos clássicos (políticos e sociais) requalificados como direitos à produção da própria metrópole, marco que está para além da ideia municipalista e cívico-republicana de participação. É talvez nesse último ponto também que reside a dupla distância entre uma cidadania concebida a partir do comum e as formas keynesianas ou neoliberais de gestão da vida e do urbano.

"A metrópole é este híbrido biopolítico, espaço da desmedida, território mil-folhas, terreno da proliferação"

 




IHU On-Line – Como podemos caracterizar as políticas públicas e as políticas do comum?
Alexandre F. Mendes - Poderíamos afirmar, de forma bem sumária, que o século XX, especialmente no período entre guerras e após a Segunda Guerra Mundial, conviveu, em grande parte, com políticas de distribuição cuja referência é o bem-estar (New Deal, keynesianismo, Plano Beveridge etc.) e o terreno de sustentação era a regulação salarial fordista (Cocco, 1999). A política social era pensada ou como contrapeso às características selvagens da acumulação capitalista, ou como resultado positivo e generoso de uma política econômica bem-sucedida. A repartição dos recursos deveria ocorrer por uma permanente regulação pública que buscava efeitos de igualdade material e socialização do consumo. No campo político, a negociação da distribuição se dava através de uma representatividade garantida por processos de homogeneização produtiva e social (partidos, sindicatos e movimentos sociais setorizados). Sabemos que as lutas em torno de uma distribuição sempre mais vantajosa, associadas às revoltas contra os processos de disciplinamento do operário-massa, produziram uma reviravolta cuja reposta são as políticas neoliberais que já tinham sido concebidas contra os primeiros movimentos de socialização e planificação da economia do início do século.
Financeirização da vida
Tendo a desigualdade como regulador geral da sociedade, o neoliberalismo propõe que cada indivíduo-empresa possa, ele próprio, se garantir contra os riscos inerentes à existência humana, através de contratos de seguro, da financeirização e da privatização dos serviços (moradia, saúde, educação etc.), da propriedade individual como instrumento de alavancagem e de um permanente esforço de aprimoramento do “capital humano” para fazer frente ao nível estrutural de desemprego. A homogeneização fordista se dilui em um sem-número de formas de contratação, realocação produtiva, arranjos organizativos móveis e flexíveis, transformação da forma-empresa e modulação do salário na direção de rendas sempre variáveis. As finanças se transformam no dispositivo de governo da nova força de trabalho através da dívida e de mensuração permanente uma produção que, como vimos, é cada vez mais socializada e correlata à própria vida. Com relação à tradição do bem-estar, a passagem para uma política do indivíduo-empresa endividado (Lazzarato, 2012) gerou dois movimentos curiosos: primeiro, a adesão de uma série de partidos sociais-democratas e socialistas ao neoliberalismo, fenômeno cuja história remete ao SPD alemão nos anos 1960 e que encontra uma série de exemplos na atualidade; segundo, uma defesa cada vez mais nostálgica, pelo tradicional campo de esquerda, de políticas de bem-estar e regulação pública que não encontram mais um terreno material de sustentação no pós-fordismo.
Os dois processos podem ser explicados por uma interessante observação de Foucault em suas aulas sobre o neoliberalismo: o socialismo nunca possuiu uma “arte de governar” própria, necessitando pegar de outras governamentalidades a sua razão e os seus princípios. Isso explicaria tanto sua rápida oscilação para as políticas neoliberais de individuação, como sua total falta de imaginação para contrapor essas políticas com uma razão governamental que não seja keynesiana, planificadora e interventiva. As políticas do comum, pelo contrário,assumem o desafio de caminhar para além do bem-estar e da dívida (do público e do privado), buscando potencializar formas de conduta e de subjetivação que deslizam dos mecanismos disciplinares-fabris e do biopoder das finanças (Marrazzi, 2011). Elas assumem o terreno biopolítico e produtivo da metrópole garantindo e proliferando espaços de cooperação, encontro de singularidades, mobilização e constituição relativamente autônoma da vida. Elas miram naquilo que Lefebvre e Bachelard definiam como uma poética do espaço: o habitar como poeta, a vida como obra de arte (Naback, 2015). Seu instrumentos não se reduzem aos mapas físicos, eles priorizam uma cartografia afetiva do território; não buscam elaborar um plano, operam por intensidades já existentes nas próprias interações sociais. Como propõe o urbanista Andy Merrifield, trata-se de estender o conceito de direito à cidade para ampla política de encontros no terreno das metrópoles globais.
IHU On-Line – Como as políticas do comum se tornam alternativas? O que há de novo nesta perspectiva?
Alexandre F. Mendes - A questão é como pensar uma política da vida que deslize, ao mesmo tempo, das tradicionais perspectivas de bem-estar e também da biopolítica neoliberal do endividamento. Poderia citar dois eixos de debates interessantes sobre o assunto: na América Latina, em torno do conceito de bem viver e, na Europa, em torno do conceito de commonfare. Em ambos os casos assume-se o terreno do alterfordismo descolonial e do chamado capitalismo cognitivo para pensar políticas de renda universal, de produção do comum a partir de novas concepções de natureza e cultura, de acesso e gestão comum dos recursos naturais/artificiais, de mobilizações produtivas que não passam pelo neoextrativismo, pelo crescimentismo ou formas de acumulação que hibridizam velho desenvolvimentismo e neoliberalismo? Como pensar os direitos e a democracia como ponto de partida e não de chegada do que convencionamos chamar “desenvolvimento”?
No campo da denominada Reforma Urbana, cuja origem remonta ao desenvolvimentismo social da década de 1960, não há mais como adiar esse debate. É preciso superar o saudosismo de uma regulação estatal distributiva e assumir inflexões que são urgentes: pensar o comum para além da função social da propriedade (da regulação pública para a auto-organização dos recursos urbanos), pensar a participação social como coprodução e ocupação do urbano, para além do ideário cívico e da delegação e representação nas instâncias participativas, pensar as lutas da metrópole e as novas plataformas de mobilização, para além da forma-movimento tradicional e, fundamentalmente, ter generosidade política e intelectual para deixar-se atravessar por essas novas dinâmicas. Percebo que há uma geração de pesquisadores/ativistas que já estão inteiramente mergulhados nesses desafios.

"Como pensar os direitos e a democracia como ponto de partida e não de chegada do que convencionamos chamar 'desenvolvimento'?"

IHU On-Line – De que maneira a viabilização de novas plataformas de mobilização estão imbrincadas com a construção das políticas do comum?
Alexandre F. Mendes - O conceito de comum nos ajuda a pensar também nas formas atuais de fazer política e luta na metrópole. Poderia destacar dois pontos importantes das experimentações realizadas nos últimos anos, cujo ponto de condensação foram as Jornadas de Junho de 2013, que no Rio se estenderam de forma potente até, pelo menos, fevereiro de 2014. Em primeiro lugar, a liberdade de constituição das mobilizações. Até 2013, as lutas da cidade eram majoritariamente protagonizadas por movimentos sociais que já estavam consolidados na cidade e que encontram seu ponto de origem, ou na década de 1980, ou na expansão do terceiro setor dos anos seguintes. Em junho, o comentário das redes tradicionais de ativismo era que finalmente tornava-se possível “participar de protestos e encontrar pessoas totalmente novas fazendo política”.
Quem eram essas pessoas? Como estavam se organizando? Por que estavam nas ruas? As incertezas geradas pela novidade produziram um efeito paradoxal: por um lado, apareceu um número de pessoas nas ruas e nas redes que realmente intimidou o poder e o fez assumir, de forma momentânea, várias demandas clássicas do movimento social; por outro, o estranhamento gerou uma série de questionamentos sobre as formas de organização, a gramática e a estética das lutas, a autonomia da mobilização, a presença ou não de uma narrativa segura ou um “projeto claro” etc. Do sindicalismo de categorias fechadas, imaginou-se um novo sindicalismo metropolitano baseado na produção social do espaço e nos trabalhadores da cidade (assembleias populares, ocupas, a luta dos garis, dos professores, tendo como ponto de conexão o bem viver na metrópole); da lógica centralizada de convocação para ações políticas e transmissão de informações, criou-se uma rede polifônica de autoconvocação, de produção de imagens, signos e novos enunciados; da forma coordenada e hierarquizada de organizar atos e protestos, testaram-se composições transversais, múltiplas e de código aberto.
Linguagem comum
Uma linguagem comum foi criada a partir de uma circulação contundente e afetiva: “Amarildo”, como sabemos, foi um dos nomes dessa linguagem. Sem dúvida, foi o momento de uma riqueza comum e infinita. Infelizmente, depois da restauração operada em 2014, através de uma mistura de repressão, chantagem interna realizada no período eleitoral e performances repetitivas no campo do ativismo, essa experiência de liberdade desapareceu. A grande vitória (de Pirro) do governismo foi ter destruído a imaginação e a liberdade de junho colocando-o novamente sob direção das organizações tradicionais enfraquecidas que negociam permanentemente com a cúpula petista. O resultado é o abandono atual, pelas chamadas “forças de esquerda”, de qualquer possibilidade de interação com a indignação social e de uma base material para a construção de sentidos radicalmente democráticos. A chamada “onda conservadora”, que domina o Congresso e parcialmente as ruas, não pode ser vista como um raio que caiu de um céu azul, ela é o resultado imediato do aniquilamento da potência criativa e rebelde da multidão de junho.
IHU On-Line – De que maneira a criação de novos dispositivos políticos de radicalização democrática são emperrados pela lógica que fez emergir um consenso autoritário?
Alexandre F. Mendes - A irrupção de 2013 significou um forte dissenso com relação à ideia de um Brasil Maior, um país de suntuosos projetos, grandes obras, agrobusiness e megaeventos alavancados sobre um terreno de desigualdade, racismo, péssimos e caros serviços urbanos, problemas estruturais nos serviços sociais, ausência de direitos básicos etc. No mesmo movimento operou-se uma dinâmica destituinte desse tipo de concepção de “desenvolvimento” e um poder constituinte que expressava outra ideia de democracia, produção do urbano e de bem viver na cidade e na floresta. É certo que, depois do susto, houve uma restauração “por cima” realizada por uma calculada reestruturação das forças de segurança em âmbito nacional e estadual e um vigilantismo que, mesmo atabalhoado, transformou as redes em territórios extremamente vigiados.
Por exemplo, a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática - DRCI, no Rio de Janeiro, funciona como um verdadeiro DOI-CODI dos novos movimentos, instaurando inquéritos que envolvem boa parte dos coletivos e redes que se propõem a prolongar democraticamente o dissenso. Mas confesso que, ultimamente, tenho refletido sobre a restauração realizada “por baixo”, aquela que parte da premissa que a Soberania, hoje, só consegue se exercer através de um biopoder capilar e insidioso. Participei recentemente de uma banca de mestrado sobre a luta das prostitutas do prédio da Caixa em Niterói (Brandão, 2015), uma luta importante que questionava a gentrificação promovida por uma operação urbana consorciada de “revitalização”. E o que é narrado no trabalho? Que uma prostituta por ter participado de uma audiência pública sobre o caso foi sequestrada e passou a ser ameaçada de morte. Que a polícia civil, sem qualquer ordem judicial, invadiu os apartamentos do prédio espalhando o pânico entre as trabalhadoras. Que em razão do ativismo as protagonistas do movimento estão sem trabalho e sobrevivendo com o apoio de ONGs. Posso dizer, a partir da minha experiência anterior de defensor público e por acompanhar vários casos parecidos até hoje, que isso se repete diariamente no Rio de Janeiro.
Que tipo de biopoder é esse?
Que tipo de biopoder é esse que encara o dissenso democrático mais elementar como uma razão para represálias brutais? Como uma pessoa pode ser ameaçada de morte por participar de uma audiência pública? E outro ponto curioso do trabalho, o prefeito que enviou os projetos legislativos da OUC e enaltece a “revitalização” desconsiderando a luta das prostitutas é do Partido dos Trabalhadores. Não digo isso para dizer que o PT responde diretamente por todas as camadas de violência que se formou no Brasil através de séculos, mas para afirmar que ele não demonstra mais qualquer incômodo de participar dos empreendimentos especulativos sustentados por uma trama urbana que é mafiosa e truculenta. Ora, e se colocamos o fato publicamente, se afirmamos a indistinção dessa forma de fazer política com relação à forma dos partidos brasileiros tradicionais e reacionários (PMDB, PSDB, DEM etc.), olhos abismados ou debochados serão direcionados para nós, como se estivéssemos anunciando um absurdo. Nesse sentido, o novo arranjo (a)político que se formou no pós-eleição, ou seja, a ideia de que vivemos uma polarização entre uma direita fascista e uma esquerda vitimada, é mantido capilarmente por um extensa rede de relações sociais e comunicacionais que tenta recuperar grandes escalas de consenso a partir da resposta a estímulos, diria “jogos de cena”, lançados nas redes.

 

"O desafio é constituir novamente uma multidão de mídias que afirme o dissenso com criatividade, liberdade e recupere uma comunicação viva"

O “homem mediatizado”, figura analisada pelo filósofo Antonio Negri num livro recente, não é apenas aquele que é silenciado pela grande mídia. A subjetividade mediatizada é aquela que perde completamente a capacidade de distinguir a informação viva (a linguagem comum das lutas) da informação morta (a linguagem vazia do poder), destituindo-se de qualquer potência de criação. O fato escandaloso não é a simples utilização dos “robôs” que multiplicam a propaganda das redes sociais. O incrível é perceber a operação no campo da produção de subjetividade, que transforma sujeitos insurgentes em simples reprodutores de um marketing cada vez mais falacioso. Nesse sentido, para além do binarismo “mídia hegemônica” versus “mídia contra-hegemônica”, o desafio é constituir novamente uma multidão de mídias que afirme o dissenso com criatividade, liberdade e recupere uma comunicação viva que rompa com o atual “governo das condutas” operado nas redes.
IHU On-Line – Partindo do diagnóstico realizado, como seria possível desbloquear as plataformas de radicalização democrática para além da imposição do consenso?
Alexandre F. Mendes - Acredito que o primeiro desafio é sentir-se livre para a experimentação de muitas formas de comunicação, encontros, momentos de trocas, reflexão e ação no espaço metropolitano. É evidente que não há fórmula a ser seguida e que o fundamental é termos uma multiplicação de iniciativas diversas que retomem a abertura de espaços de ação político-afetiva no território. Pessoalmente, tenho participado dos chamados círculos de cidadania, que surgiram com o propósito bastante modesto de promover algumas ações cidadãs no urbano, a partir de dinâmicas territoriais, social-sindicais e de reflexão sobre o momento político. É interessante notar que um dos últimos textos deHenri Lefebvre discutia o papel da cidadania no horizonte globalizado e metropolitano do capitalismo contemporâneo. Para ele, uma cidadania no mundo urbanizado passava pela inflexão do cidadão formal (o citoyen de base nacional) para o citadino: aquele que é capaz de ações políticas e de construir poéticas próprias para uma vida urbana plena. Nesse sentido, como produzir uma cidadania “a quente”, que nos permita viver a metrópole como uma experiência do comum? É uma pergunta que nos permite imaginar um repertório de possíveis respostas e tentativas, e uma boa parte delas já está sendo ensaiada no terreno vibrante e, ao mesmo tempo, perigoso, das metrópoles globais.
Por Ricardo Machado e Patrícia Fachin
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos