sábado, 19 de dezembro de 2015

A MICROCEFALIA E ZIKA VÍRUS.

Informe da SBMT: Zika e microcefalia, uma relação que exige ações e cautelas

Mosquito vem adquirindo capacidade de se reproduzir em volumes de água cada vez menores, que não necessita mais ser limpa. Criou resistência a alguns inseticidas e mudou hábitos alimentares passando a atacar também à noite
Aedes aegypti, mosquito cosmopolita, vetor de arboviroses como febre amarela, dengue, zika e chikungunya
Aedes aegypti, mosquito cosmopolita, vetor de arboviroses como febre amarela, dengue, zika e chikungunya
Após o Ministério da Saúde declarar confirmada a relação entre a epidemia de microcefalia identificada no Nordeste e a infecção pelo Zika, todos os entes federativos – União, estados e municípios – se mobilizam na luta contra o mosquito transmissor do vírus, Aedes aegypti. Até mesmo o Exército tem sido mobilizado na luta contra o inseto, em Pernambuco. O momento é de cautela, especialmente com o principal foco de atenção atual: as grávidas e as que desejam engravidar.
Como revelado por uma pesquisa feita pelo Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz), o Zika vírus consegue atravessar a barreira placentária e chegar até o líquido amniótico, fluido que envolve o feto durante a gravidez. A confirmação oficial dessa relação, apresentada no final de novembro pelo Ministério da Saúde, veio após a identificação do Instituto Evandro Chagas, no Pará, da presença do vírus em exames feitos em uma criança do Ceará que nasceu com microcefalia e outras doenças congênitas.
Apesar da preocupação que o tema levanta, a doutora Dorcas Lamounier Costa afirma que muito pouco ou nada poderá ser feito para mudar o curso de fetos afetados pelo vírus Zika. Isso porque o vírus é neurotrópico, ou seja, apresenta uma atração para se multiplicar no sistema nervoso do hospedeiro e pode acarretar a microcefalia no bebê ainda no ambiente placentário. Outros vírus também podem causar a doença, caracterizada pela cabeça e o cérebro serem menores que o normal, como o enterovírus, o poliovírus e a rubéola.
“Crianças nascidas com a síndrome da rubéola congênita eliminam o vírus durante meses, num mecanismo conhecido como tolerância imunológica onde o organismo não é capaz de eliminar o antígeno agressor”, explica a médica, que é doutora em Infectologia e Medicina Tropical pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Informações às mulheres
Para a doutora Dorcas, a decisão de uma mulher engravidar é “intocável”, mas ela deve ser informada das precauções e incertezas que esta epidemia tem gerado. “Recomenda-se cautela para aquelas que planejam engravidar e imensa precaução no sentido de se protegerem do contato com mosquitos para aquelas que estão grávidas”, explica.
Ela destaca ainda a necessidade de esclarecimentos quanto às medidas recomendadas para reduzir a chance de contágio, como o uso de repelentes indicados para o período da gestação. “Ela [a mulher grávida ou que deseja engravidar] deve saber como eliminar os potenciais criadouros do mosquito de sua residência e de seu local de trabalho, mas também deve ser informada que o Aedes, embora com pequena autonomia de voo, pode migrar algumas centenas de metros durante seu ciclo de vida”, alerta.
O Ministério da Saúde aconselha ainda que as gestantes façam todos os exames previstos no pré-natal, além de relatarem aos profissionais de saúde qualquer alteração que perceberem durante a gestação. Além disso, é indicado, no período de gestação, o uso de roupas de manga comprida. O órgão também tem feito recomendações aos profissionais de saúde que estejam atentos à avaliação cuidadosa do perímetro cerebral e à idade gestacional, assim como à notificação de casos suspeitos de microcefalia no registro de nascimento no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).

Pesquisas e casos no País
As investigações sobre o tema continuam, especialmente pelos laboratórios da Fiocruz, para esclarecer questões como a transmissão desse agente, a sua atuação no organismo humano, a infecção do feto e período de maior vulnerabilidade para a gestante.
Pesquisadores da Fiocruz de Pernambuco desenvolveram três frentes para estudar a relação do vírus com a microcefalia. A primeira investigará bebês recém-nascidos com a má-formação comparando-os com crianças nascidas no mesmo período sem microcefalia, um estudo de caso-controle, sendo inquiridos fatos ocorridos durantes a gestação com ênfase na infecção da gestante por Zika para confirmação da associação causal. O órgão ainda tenta desenvolver vacinas e meios de diagnóstico mais rápido para identificar o vírus – atualmente, os testes devem ser feitos em laboratório por meio da técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase, na sigla em inglês).
Outra pesquisa será feita com mulheres grávidas que tiveram sintomas de doenças virais, como manchas vermelhas na pele, serão acompanhadas até o parto. O objetivo, segundo os pesquisadores, é observar a taxa de microcefalia entre as que tiveram o Zika vírus e as que não tiveram. Se for permitido, o líquido amniótico será colhido e analisado.
As crianças com diagnóstico de microcefalia serão acompanhadas minuciosamente por pelo menos dois anos para avaliar o comprometimento no desenvolvimento e definição de estratégias de manejo. Outra pesquisa, chamada de estudo de coorte, será feita com mulheres grávidas que tiveram sintomas de doenças virais, como manchas vermelhas na pele, serão acompanhadas até o parto. O objetivo, segundo os pesquisadores, é observar a taxa de microcefalia entre as que tiveram o Zika vírus e as que não tiveram. Se for permitido, o líquido amniótico será colhido e analisado.
Atualmente, cerca de 200 municípios brasileiros estão em situação de risco de surto de dengue, chikungunya e zika, segundo o Ministério da Saúde. Já foram confirmados casos do zika em 18 estados.
Em relação à microcefalia, Pernambuco lidera em número de recém-nascidos com a doença no País, com 646 dos 1.248 casos suspeitos da enfermidade, identificados em 311 municípios de 14 estados.

O desafio do (quase) desconhecido Zika
As poucas informações sobre o vírus Zika estão entre as principais dificuldades dos cientistas, atualmente, nas pesquisas sobre o tema. Isso porque haviam poucos casos registrados da doença antes de epidemias recentes.
O vírus foi isolado pela primeira vez em 1947 de um macaco-reso na floresta de Zika, em Uganda, na África, e, em humanos em 1968, pela primeira vez na Nigéria.
O Zika é considerado endêmico no Leste e Oeste do continente Africano. Evidências sorológicas em humanos sugerem que a partir do ano de 1966 o vírus tenha se disseminado para o continente asiático. Fora desses dois continentes, o primeiro caso registrado foi em uma ilha da Micronésia, no Oceano Pacífico, em 2007. Um surto recente ocorreu em 2013, na Polinésia Francesa, onde mais de 10 mil casos foram diagnosticados.
De acordo com o doutor Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, do Instituto Evandro Chagas, não existem dados cientificamente obtidos para definir os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na patogenia do vírus no organismo humano. “São necessários estudos experimentais em camundongos e, se possível, em primatas não humanos para termos esses dados”, explica.
Não se sabe também, ao certo, o período de maior vulnerabilidade para a gestante em relação ao vírus. Inicialmente, acredita-se que o risco está associado aos primeiros três meses de gravidez. Além disso, ainda não se sabe como exatamente ocorre a atuação do Zika no organismo humano, além da infecção do feto.

O surto de microcefalia e a doença
A conversa entre mãe e filha, ambas neuropediatras, foi o início da descoberta do surto de casos de microcefalia, em Pernambuco. Ana Van der Linden, que trabalha no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, contou à filha Vanessa, do Hospital Barão de Lucena, ter atendido sete casos da doença em um só dia. No mesmo dia, Vanessa relatou ter recebido cinco casos.
Após conversas com outros especialistas, em poucos dias, 40 casos já haviam sido identificados. O início da investigação foi feito pelo doutor Carlos Brito, colaborador da Fiocruz-PE, reunindo os dados dos bebês e das mães.
A microcefalia, de acordo com um estudo realizado na Alemanha, com 680 crianças, mostrou que 65% delas apresentavam retardo no desenvolvimento neuropsicomotor ou retardo cognitivo. Entre as crianças que estavam estudando (escola ou pré-escola), 28% estudavam em escolas regulares e 72% recebiam algum suporte educacional especial.
“Problemas visuais, auditivos e menor percepção da dor também tem sido reportado em portadores de microcefalia. Vale ressaltar que as causas de microcefalia são várias e incluem fatores que causam danos diretos no sistema nervoso, como infecções e baixo aporte de oxigênio para o feto, uso de álcool e drogas pela mãe durante a gestação e desnutrição materna, além de problemas de ordem genética, como consanguinidade”, explica o doutorGuilherme de Sousa Ribeiro, da Fiocruz-BA.
Mesmo não havendo tratamento específico para a doença, ações realizadas desde os primeiros anos melhoram o desenvolvimento e a qualidade de vida dos afetados, que pode ser diagnosticada pelo médico durante o pré-natal. A análise mais tradicional é feita após o nascimento do bebê, com o primeiro exame físico de rotina nos berçários sendo feito até 24h após o nascimento – período principal para se realizar busca ativa de possíveis anomalias congênitas.

O mosquito e medidas de controle
O A. aegypti, que além do zika transmite dengue e chikungunya, é originário do Egito e vem se espalhando pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta desde o século 16, período das Grandes Navegações. A tese é que o vetor foi introduzido nas Américas no período colonial por meio de navios que traficavam escravos.
No Brasil, os primeiros relatos de doença transmitida Poe este vetor – dengue e febre amarela – datam do final do século XIX. O mosquito transmissor chegou até mesmo a ser erradicado do País em 1955, mas o relaxamento nas medidas de controle levou à sua reintrodução em todo o território nacional no final de década de 1960. Agora, os surtos da doença são recorrentes em todos os estados. Apenas entre janeiro e novembro deste ano, mais de 1,5 milhão de notificações foram registradas.
Como a situação do mosquito agora piora o patamar da saúde pública brasileira com as recentes descobertas, o governo federal anunciou recentemente que o combate ao Aedes será o principal foco de atuação da pasta entre dezembro de 2015 e janeiro de 2016.
Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Castro, o objetivo é evitar no próximo verão, especialmente em fevereiro, quando mais chove, o aumento exponencial do número de vetores. Ainda de acordo com ele, o governo federal – a partir do trabalho conjunto de sete ministérios e em parceria com estados e municípios – fará investimentos para combater o mosquito e oferecer o tratamento de saúde a pessoas infectadas e aos bebês que tenham desenvolvido a microcefalia.
“O governo federal disponibilizou o Exército e a Defesa Civil para que o estado de Pernambuco e os municípios eliminem os locais de proliferação do Aedes aegypti. O que vamos fazer, em primeiro lugar, é destruir os criadouros”, disse o ministro.
Apesar da disposição do governo em agir com mais intensidade contra o mosquito, um recenteestudo, publicado na revista PLoS One por um grupo de pesquisadores do Instituto Butantan, mostra que o Aedes evoluiu. A espécie vem adquirindo a capacidade de se reproduzir em volumes cada vez menores de água, que nem sequer precisa mais ser limpa, como no passado. Além disso, o inseto adquiriu resistência a alguns inseticidas e mudaram até os hábitos alimentares: se antes só picavam durante o dia, passaram a atacar também à noite. De acordo com os pesquisadores, basta apenas uma luz artificial para revelar o caminho até a vítima.

AQUECIMENTO GLOBAL : TARDE DEMAIS PARA O ACORDO DA COP21.

COP21: Tarde demais para o acordo do clima?

Publicado em dezembro 17, 2015 
Cientistas dizem que pacto adotado em Paris é melhor que nada, mas que falta de ação nos últimos 20 anos fez com que chance de evitar um mundo 1,5 grau mais quente fosse perdida

Protestos em réplica da Torre Eiffel no parque de exposições de Le Bourget (Foto: Claudio Angelo/OC)

POR CLAUDIO ANGELO E CÍNTYA FEITOSA, DO OC, EM PARIS
Numa das salas de madeira prensada montadas especialmente para abrigar a conferência do clima de Paris, um britânico alto e magro faz uma das falas mais acachapantes do evento. Seu nome é Kevin Anderson, e ele não é político, nem diplomata. É professor da Universidade de Manchester, e não está ali para achar linguagem de consenso, mas para dar a real.
Lendo num PowerPoint o texto do mandato que originou novo acordo do clima, Anderson primeiro afirma que o objetivo comum é “manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2oC, e agir para chegar a esse alvo de forma consistente com a ciência e com base em equidade”. E depois emenda: “As metas do Acordo de Paris não são consistentes com os 2oC, não são baseadas em ciência e não têm nada a ver com equidade”.
Ele prossegue: “Faz 25 anos que nós sabemos tudo de que precisamos saber para combater a mudança climática, mas as emissões hoje são 60% maiores do que eram nos anos 1990. Estamos continuando a nos travar em uma trajetória de cem anos de uso de combustíveis fósseis”.
Anderson faz parte de um grupo crescente de cientistas, economistas e analistas políticos que acham que a humanidade já perdeu a chance de manter o aumento da temperatura da Terra abaixo de 1,5oC, o tão celebrado objetivo da COP21. E que mesmo o limite de 2oC é muito mais provável de ser ultrapassado do que de ser cumprido.
Na primeira semana de COP21, o pesquisador, vinculado ao Centro Tyndall de Pesquisa sobre Mudança Climática, publicou um comentário no periódico Nature Geoscience afirmando que cenários que mantêm o aquecimento global abaixo de 2oC dependem de “emissões negativas especulativas ou de mudar o passado”, e que os cientistas precisam ser honestos em suas premissas, “por mais politicamente desconfortáveis que sejam as conclusões”.
O texto ecoa um outro comentário, publicado em maio na revista Nature pelo cientista político alemão Oliver Geden, que também pede integridade dos cientistas em relação à factibilidade da meta de 2oC. Geden foi amplamente criticado quando circulou uma versão preliminar de seu artigo. Chegou a ser acusado de se alinhar com os chamados “céticos” do clima. Anderson, segundo o OC apurou, teve dificuldades para conseguir que seu comentário fosse publicado na Nature Geoscience.
“O problema é que as pessoas têm uma dificuldade terrível em lidar com a realidade”, disse ao OCem novembro David Victor, professor de Relações Internacionais da Universidade da Califórnia em San Diego e um dos acadêmicos que têm argumentado que a chance de limitar a temperatura em 2oC sem quebrar a economia nem recorrer à geoengenharia já passou.
Pesquisadores como Victos, Anderson e Geden baseiam suas avaliações no chamado “orçamento de carbono”. Trata-se de uma conta apresentada no último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), de 2013, que relaciona diferentes probabilidades de elevação de temperatura neste século com emissões acumuladas de dióxido de carbono desde a Revolução Industrial.
Segundo essa conta, se quiser ter 66% ou mais de chance de manter a elevação da temperatura global abaixo de 2oC, a humanidade tem apenas 1 trilhão de toneladas de COpara emitir entre 2011 e o fim do século. Como a taxa atual de emissões está em torno de 50 bilhões de toneladas por ano, os cientistas estimam que teremos esgotado nosso orçamento de carbono em cerca de duas décadas.
O problema, de acordo com Anderson, é que o nosso orçamento de carbono está seriamente inflado. Primeiro, porque já emitimos cerca de 150 bilhões de toneladas de CO2 equivalente apenas entre 2011 e 2015. Segundo, porque é preciso incluir no orçamento emissões de outros setores, como desmatamento e produção de cimento – que nos subtraem mais 250 bilhões de toneladas de CO2 do total disponível para gastar. E isso tudo sem considerar outros fatores, como as emissões por derretimento de solos congelados (permafrost) no Ártico, que, segundo um estudo também apresentado em Paris, podem reduzir significativamente o saldo bancário de carbono da humanidade.
“O orçamento real é de 600 bilhões de toneladas, não de 1 trilhão”, disse Anderson. “Para dizer muito secamente, a chance de termos 66% de probabilidade de 2oC está perdida. Na melhor das hipóteses, temos 33% de chance”, prosseguiu, dizendo que o orçamento de 2015 precisaria ser ajustado para 1,1 trilhão de toneladas, que daria um terço de chance de alcançar a meta do Acordo de Paris.
MANDRAKE
Cenários compatíveis com 2oC usam o que o pesquisador de Manchester chama de “coelhos na cartola”. O IPCC avaliou, em seu último relatório, 400 desses cenários. Destes, 344 assumem que a humanidade terá sucesso em adotar em larga escala as chamadas “emissões negativas”, como o plantio de dezenas de milhões de hectares de florestas num curto prazo ou a expansão da bioenergia com captura e sequestro de carbono em destilarias de cana, por exemplo – o chamado BioCCS. Este é o primeiro coelho.
“Essas tecnologias nunca funcionaram em larga escala, suas dificuldades técnicas e econômicas são desconhecidas, podem causar conflito com a produção de alimentos e precisamos cruzar os dedos sobre potenciais feedbacks que elas possam ter no clima”, diz Anderson.
Mais preocupante ainda, segundo ele, é o fato de que todos os 56 cenários que não recorrem a emissões negativas assumem que o pico global de emissões de gases-estufa ocorreu em 2010 – daí a referência a mudar o passado, o segundo coelho na cartola dos cenários de 2oC.
O pico de emissões globais foi uma das batalhas políticas de Paris. China e Índia, países emergentes cuja matriz energética é baseada em carvão e que ainda verão suas emissões crescerem por 15 anos ou mais, foram contra a menção, no texto do acordo, de uma data para que as emissões de carbono chegassem ao ápice e começassem a declinar daí. Também se opuseram à inclusão da expressão “descarbonização” da economia no pacto. Paris teve de se contentar com um objetivo de longo prazo de atingir o pico de emissões “o quanto antes”.
Uma notícia animadora nesse sentido foi dada pelo Global Carbon Project, uma rede de uma centena de cientistas capitaneada pelo Centro Tyndall da Universidade de East Anglia em Norwich, também no Reino Unido. Durante a COP21, eles apresentaram resultados do balanço de carbono do planeta em 2014, que indica uma desaceleração no crescimento das emissões mundiais nos dois últimos anos.
Segundo dados apresentados pela física canadense Corinne LeQueré, diretora do Tyndall, no ano passado as emissões de gases-estufa por queima de combustíveis fósseis cresceram apenas 0,6%, após uma média de 1% ao ano na década de 1990 e 3% nos anos 2000. A estimativa para 2015 é que a taxa de emissões tenha se estabilizado ou mesmo declinado ligeiramente: os dados indicam um desempenho que vai de uma queda de 1,6% a um aumento de 0,5%, com uma mediana de 0,6% de declínio. Seria a primeira vez que as emissões caem na ausência de crise econômica.
“OVERSHOOT”
Os principais fatores são a queda das emissões da União Europeia e a redução do uso de carvão para gerar energia na China, o que está fazendo despencar a relação entre uso de energia e CO2 e PIB no país que é o motor da economia mundial. Em 2014, a China cresceu 7,3%, enquanto o consumo de energia cresceu apenas 2,2%. Segundo o chinês Dabo Guan, também da Universidade de East Anglia, a redução da intensidade de carbono da economia chinesa se verifica desde 2007.
Kevin Anderson adverte que é cedo para comemorar. “As causas dessa queda dificilmente persistirão, embora no curto prazo o crescimento das emissões deva permanecer pequeno”, afirmou. Pior ainda, prosseguiu o britânico, toda a infraestrutura construída no planeta – de estradas a prédios, aviões, navios e usinas de energia – ainda é de alto carbono. Como investimentos em infraestrutura são de longo prazo, há um “travamento” em alto carbono nesse setor que vai de 30 a cem anos.
O esforço de mitigação necessário nos países em desenvolvimento para que a humanidade tenha pelo menos 50% de chance de evitar o limiar de 2oC, argumenta, envolveria um pico nas emissões globais em 2025 (contra “o quanto antes” do Acordo de Paris) e uma queda de 10% ao ano a partir daí. Para os países ricos, a redução teria de ser de 10% ao ano a partir de hoje.
“Isso significa que não temos chance de ficar em 2oC? Não, nós temos: a chance é de 33%”, diz Anderson, lembrando em seguida a uma plateia ainda tonta pelos números que tal esforço, mesmo assim, envolveria mitigação que vai muito além de qualquer coisa discutida em Paris – o que ele chama de “Plano Marshall” para o setor energético no mundo em desenvolvimento, com uma taxação das emissões dos 10% mais ricos da população mundial. “E, sejamos francos, todos nós aqui nesta sala pertencemos a esse grupo.”
Já a meta de estabilização do aquecimento em 1,5oC, mencionada no acordo e maior vitória política dos países vulneráveis em Paris, está simplesmente “perdida”, segundo o cientista inglês.
Outros pesquisadores têm uma visão menos fatalista. Para o alemão Hans-Joachim “John” Schelnnhuber, diretor do Instituto de Pesquisa de Estudos Climáticos de Potsdam, ter 50% de chance de ficar em 1,5oC é algo “muito difícil”, mas “ainda compatível com a ciência”.
Porém, isso envolveria, além de um esforço brutal de mitigação, também o que os climatologistas chamam de “overshoot”: as temperaturas subiriam para além da meta e voltariam a ela após algumas décadas.
A vantagem disso é que talvez fosse possível, dessa forma, estabilizar o nível do mar, já que ele sobe mais lentamente (descontado um colapso eventual repentino do manto de gelo da Antártida, que elevaria os oceanos quase instantaneamente). Salvar os países-ilhas do Pacífico da extinção no longo prazo, portanto, talvez ainda esteja ao alcance. “Para o nível do mar, 1,5oC e 2oC são uma grande diferença”, disse Schelnnhuber.
No entanto, mesmo que seja possível fazer a reengenharia da atmosfera, o cientista acha que não dá mais para evitar outro impacto do alto CO2: a acidificação dos oceanos, que ameaça os ecossistemas e a própria capacidade do mar de sequestrar e armazenar gases-estufa.
Só os próximos anos dirão se Paris terá conseguido cumprir sua promessa.

in EcoDebate, 17/12/2015

PRODUÇÃO AGRÍCOLA E A CRISE HÍDRICA.

O silêncio ruralista diante da crise da água, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

Publicado em dezembro 17, 2015 
crise hídrica

[EcoDebate] Chama a atenção o silêncio tumular dos ruralistas diante da crise da água brasileira. Ela está vinculada ao desmatamento, a erosão da biodiversidade e a compactação dos solos. O ciclo das águas é uma teia de relações complexas que permite sua fluência e a existência da vida.
Havia um Código Florestal que defendia as áreas de florestas necessárias para preservar o ciclo das águas. Mas, ele não era obedecido. Como a desobediência dos ruralistas – e imobiliárias – eram crimes, então mudaram o código para que suas ações não fossem mais motivo de punição.
Hoje cientistas dizem que grande parte do ciclo das águas brasileiras tem origem na evapotranspiração da floresta Amazônica (Antônio Nobre), mas que depende do Cerrado para penetrar no solo e abastecer os aquíferos que sustentam grande parte da malha hídrica brasileira que se origina no Planalto Central (José Alves da UNIVASF e Altair Salles da PUC/Goiânia).
Ora, o setor ruralista está quebrando a dinâmica da floresta Amazônica e compactando o Cerrado pela força do desmatamento. O Cerrado não tem poder de regeneração.
Kátia Abreu disse que “desmatamos por uma das agriculturas mais produtivas” (UOL, 15/12/15). Portanto, assume que desmata, portanto, que quebra o ciclo de nossas águas.
Aqui no vale do São Francisco há uma guerra surda entre os vários setores da produção – principalmente irrigação e energia – pelo que resta de água no São Francisco. Entretanto, o São Francisco é um rio dependente do Cerrado. Sem os aquíferos do Cerrado, particularmente o Urucuia, não existe São Francisco.
Então, senadora, a equação não fecha. Sem água não há agricultura, mas sem vegetação não há água. O equilíbrio entre todos esses fatores que o agronegócio desconhece ou ignora. Mas, quem no mundo ruralista está disposto a pensar a atividade agrícola na sua complexidade de fatores e não de forma simplista em favor de uma economia imediatista?
Não há agricultura sustentável sem a permanência das florestas, sem a preservação dos solos e do ciclo das águas.
O silêncio ruralista sobre a crise da água não é casual.
Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

in EcoDebate, 17/12/2015

POPULAÇÃO BRASILEIRA E SEU ENVELHECIMENTO.

O envelhecimento brasileiro até 2085 na projeção média de fecundidade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Publicado em dezembro 16, 2015 
151216

[EcoDebate] Durante 200 mil anos, desde o surgimento do homo sapiens, houve crescimento do número de habitantes do mundo. Pode ter havido recuos em certos momento e lugares ou até civilizações locais podem ter desaparecido, mas nas contas globais, o crescimento foi contínuo e passou a ser exponencial nos últimos 250 anos. Por conta disto, a demografia é uma ciência que se acostumou com o crescimento e com uma estrutura etária jovem.
A pirâmide populacional tinha os grupos etários quinquenais inferiores maiores do que os imediatamente superiores. A estrutura etária jovem fazia com que as políticas públicas se preocupassem fundamentalmente com a expansão das suas metas quantitativas. Vale dizer: maior número de maternidades e pediatrias, mais escolas, mais moradias, mais empregos, mais estradas, mais consumo, etc.
Porém, desde que as taxas de fecundidade (número médio de filhos por mulher) começaram a cair, a estrutura etária da população começou a sofrer uma transformação, com a redução da sua base, um crescimento da população adulta (15-59 anos), num segundo momento, e um crescimento da população idosa (60 anos e mais), num momento posterior.
A pirâmide populacional brasileira de 1985 foi a última a manter o formato egípcio e foi neste ano que a coorte etária 0-4 anos apresentou o maior número absoluto de crianças de toda a história brasileira (passada e futura). Havia 18,5 milhões de crianças, representando 13,6% da população total, sendo 9,4 milhões de meninos e 9,1 milhões de meninas. A população brasileira era de 136 milhões de habitantes em 1985 e a partir desta data o número de crianças brasileiras começou a diminuir em termos absoluto e relativo.
O índice de envelhecimento (IE) mostrava uma estrutura etária jovem. Havia 50,4 milhões de crianças e jovens de 0 a 14 anos (representando 37% da população total) e 8,7 milhões de idosos de 60 anos e mais (representando 6,4% do total). Desta forma, o IE era de 17,2 idosos para cada 100 pessoas de 0-14 anos.
Todavia, nas décadas seguintes a base da pirâmide foi se reduzindo e o topo foi se alargando, em um processo que vai continuar no século XXI. As projeções demográficas da Divisão de População da ONU, na hipótese média das tendências da fecundidade, apontam um pico de 231 milhões de habitantes em 2055 e uma população total de 208 milhões de habitantes em 2085, sendo que a população de 0-4 anos deve ficar em 9,4 milhões (cerca da metade do número de crianças de 1985), sendo 4,8 milhões de meninos e 4,6 milhões de meninas.
O índice de envelhecimento deve passar para 272 idosos (78,6 milhões de pessoas de 60 anos e +) para cada 100 crianças e jovens de 0 a 14 anos de idade (28,9 milhões de pessoas). Os idosos vão representar 37,7% da população total no ano de 2085. A população brasileira de 0 a 60 anos de idade vai começar a declinar a partir de 2025 e o crescimento, no restante do século, vai ocorrer apenas na população idosa.
Desta forma, em vez de planejar cada vez mais maternidades, escolas e empregos deverá haver o planejamento de uma situação com menos nascimentos, menos estudantes e menos trabalhadores entrando na força de trabalho. O estado de São Paulo já está vivendo a falta de crianças nas escolas e se busca, talvez não da melhor forma, uma maneira de se adaptar à nova dinâmica demográfica e à nova estrutura etária.
Mas uma das tarefas mais difíceis será lidar com o sistema de repartição simples da previdência social, pois este sistema pressupõe que haja um fluxo crescente de pessoas em idade de trabalhar para sustentar o fluxo crescente de pessoas idosas e em condições de inatividade econômica (não contribuintes da previdência). O ano de 2015 já é um marco, pois mesmo com baixo IE, a estagflação e o desemprego está diminuindo o número de contribuintes da previdência, enquanto continua crescendo o número de aposentados.
Para manter o mesmo padrão de vida, o grupo de idoso precisa ser sustentado pelo grupo de adultos produtivos. Se estes últimos diminuírem, a única forma de manter o padrão de vida dos idosos é promovendo um grande aumento da produtividade do trabalho da população economicamente ativa e um bom aproveitamento do segundo bônus demográfico.
Todavia, a produtividade, em geral, depende da expansão da educação e da economia e da disponibilidade de recursos naturais, especialmente de energia extrassomática. O Brasil já tem vários problemas de produtividade e tem crescido graças ao aumento do emprego no período do boom das commodities. Produzir mais com menos pode ficar cada vez mais difícil quando há uma população em declínio, uma carga maior de dependência provocada pelo envelhecimento da estrutura etária, uma escassez relativa de combustíveis fósseis e crescentes problemas ambientais.
Desta forma, a sociedade brasileira, na fase do envelhecimento e do decrescimento populacional, vai ter um grande desafio prático e teórico pela frente, pois terá que lidar com uma pirâmide populacional mais parecida com um retângulo. Isto vai dar o que pensar, especialmente nos métodos e objetivos das políticas públicas.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

in EcoDebate, 16/12/2015

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O MOVIMENTO POLÍTICO ATUAL E A SURDEZ DO GOVERNO DILMA/ COMISSÃO PASTORAL DA TERRA.

O momento político atual e a surdez do governo Dilma

"Tão ou mais grave que o mar de lama da Samarco em Mariana, Minas Gerais, é o mar de lama que escorre do mundo da política. Pois enquanto a lama da Samarco afeta a bacia do Rio Doce, a que escorre do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e de gabinetes de Brasília afetam sonhos e esperanças de toda nação brasileira, sobretudo dos mais pobres", afirma a Comissão Pastoral da Terra - CPT, em nota publicada no dia 17-12-2015.
Eis a nota.
A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT vêm a público se manifestar sobre o grave momento da conjuntura nacional, cujo foco na polarização da crise política, em muito enviesada e distorcida, obscurece a percepção dos atuais conflitos violentos contra os povos do campo.
O país viveu, neste ano de 2015, um período conturbado pela recessão econômica e pela crise política que encurralaram a presidência da República. A incompetência no enfrentamento da crise econômica, as denúncias diárias de corrupção que atingem o PT e aliados de seu governo de coalizão têm sido utilizadas pela oposição para uma busca ilegítima do poder que ameaça desestabilizar a ordem democrática. A corrupção, endêmica na vida política brasileira, é apresentada, sobretudo pelos meios de comunicação, como a maior e mais grave da história deste país. Esquece-se que somente agora estes casos estão sendo investigados e punidos.
crise econômica tem sido potencializada ao máximo por uma crise política alimentada diariamente na mídia e por um Congresso Nacional venal e obscurantista, que tenta um processo de impedimento da Presidenta da República com mais que frágeis argumentos.
Este Congresso tem demonstrado publicamente o quanto é refém e está a serviço do poder econômico que custeou as caras campanhas eleitorais dos seus ocupantes. Os interesses do povo, sobretudo os dos mais fracos, de forma alguma são prioridade da maioria dos congressistas. Isto se torna evidente pelas proposições e defesas da poderosa bancada ruralista, e das bancadas da bala e evangélica, que se tornaram conhecidas como a bancada do BBB - do boi, da bala e da bíblia.
Os interesses por trás destas bancadas se revelam na aprovação das leis da terceirização do trabalho e da redução da idade penal e nas tentativas, já em fase adiantada nos procedimentos regimentais, de desmonte dos direitos indígenas e de outras comunidades tradicionais com a PEC 215, com o projeto de lei que quer modificar o conceito de trabalho escravo, e com a pressa em aprovar um código de mineração que prioriza os interesses das mineradoras em detrimento das comunidades atingidas.
A avalanche contra os pequenos se consubstancia ainda na CPI da FUNAI e do INCRA para barrar todo e qualquer avanço no reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais.
O que acontece em nível nacional se reproduz em nível estadual. No Mato Grosso do Sul, a violência contra os indígenas campeia solta com ações quase diárias de agressões às aldeias e aos acampamentos, sobretudo em áreas próprias retomadas pelos indígenas. Na esteira destas ações a Assembleia Legislativa constituiu uma CPI para investigar o Conselho Indigenista MissionárioCIMI, pelo apoio que tem dado à causa dos povos indígenas. Com isso tenta desmobilizar e desmoralizar a luta indígena, sugerindo que os indígenas não são capazes de defender seus próprios interesses.
Aproveitando-se deste cenário mais que sombrio, como já temos reiterado mais de uma vez, tem crescido de forma assustadora a violência contra os trabalhadores e trabalhadoras do campo. Até o final de novembro, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, tinha registrado o mais alto número de assassinatos no campo, desde 2004, 46 pessoas - camponeses, sobretudo posseiros, sem terra e assentados da reforma agrária. 44 destas mortes ocorreram na Amazônia. A maior parte dos conflitos nesta região está relacionada a terras públicas griladas. A fraqueza do Estado em recuperar estas áreas para destiná-las à Reforma Agrária, como manda a Constituição, favorece que os ataques de grileiros e pistoleiros se multipliquem, bem como as invasões de áreas e a expulsão de famílias.
Tão ou mais grave que o mar de lama da Samarco em Mariana, Minas Gerais, é o mar de lama que escorre do mundo da política. Pois enquanto a lama da Samarco afeta a bacia do Rio Doce, a que escorre do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e de gabinetes de Brasília e dos estados afetam sonhos e esperanças de toda nação brasileira, sobretudo dos mais pobres.
Neste cenário de sombras, ainda bem, algumas luzes se acendem. Tem crescido o número de sem terra que fazem ocupações em busca de um pedaço de chão para viver e plantar. Nas cidades, jovens têm se destacado na luta em defesa da educação pública e de qualidade diante de tentativas de fechamento e de uma reorganização questionável de escolas, ou da entrega do ensino público a Organizações Sociais (OS), como acontece em Goiás. As ocupações das escolas pelos estudantes, com apoio de suas famílias, em São Paulo e em Goiás, são um grito de alerta para uma sociedade sonolenta. A organização dos jovens, o cuidado com os espaços ocupados, o uso das tecnologias de comunicação soam para os ouvidos atentos como fina música de um concerto de harmonias que pareciam perdidas.
A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da CPT, ao mesmo tempo em que denunciam as tentativas da quebra da normalidade democrática, lamentam a falta de sensibilidade do governo Dilma no atendimento às reivindicações populares. Nunca um governo, desde o final dos anos de chumbo da ditadura militar, foi tão surdo às demandas populares, no campo e nas cidades, quanto o governo Dilma. Foi o governo que menos reconheceu terras indígenas e territórios quilombolas e o que menos fez assentamentos de sem terra. As decantadas políticas sociais, decadentes sob os cortes do ajuste econômico que mais uma vez favorece os que têm poder, já não conseguem aludir a uma imagem “popular” do governo.
A surdez da Presidência se tornou quase uma afronta aos homens e mulheres do campo com a nomeação para o Ministério da Agricultura da senadora Kátia Abreu, que sempre se mostrou inimiga dos movimentos do campo e do meio ambiente em plena crise climática. E diante de tantos apelos dos mais diversos movimentos populares, mantém o ministro da Fazenda totalmente alinhado aos interesses da classe dominante.
Esperamos que a estrela que conduziu os Magos até Belém possa conduzir nosso país nos caminhos da normalidade democrática, duramente conquistada, e na superação dos entraves que impedem o reconhecimento efetivo dos direitos dos pequenos e pobres.
Goiânia, 17 de dezembro de 2015.
Diretoria Nacional e Coordenação Executiva Nacional da CPT
Fonte : Instituto Humanitas Unisinos

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

UFSC 2016 ( 12,13 E 14/12) QUESTÕES E GABARITOS DE GEOGRAFIA.

QUESTÃO 11

Organizações internacionais são entidades criadas pelas nações do mundo com o objetivo de
trabalhar em comum para o pleno desenvolvimento das diferentes áreas da atividade humana:
política, economia, saúde, segurança, trabalho etc. Em relação às proposições abaixo, é CORRETO
afirmar que:
01. a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada pelos países vencedores da Primeira
Guerra Mundial – apesar da oposição da União Soviética – e tem como principal objetivo
manter a paz e a segurança internacionais.
02. a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi constituída em 1949, no contexto da
Guerra Fria, como uma aliança militar das potências ocidentais em oposição aos países do
bloco socialista, mas atualmente tem, entre seus associados, países do antigo bloco socialista.
04. uma das organizações mais bem-sucedidas é o Fundo Monetário Internacional (FMI), cujo
principal objetivo é criar as condições para investimentos em infraestrutura e educação, sem
ligação com questões financeiras dos países.
08. a Organização Mundial do Comércio (OMC) tem como principal objetivo criar as condições
necessárias para os acordos sobre livre movimentação de pessoas, principalmente entre as
populações do antigo “terceiro mundo”.
16. a Organização Internacional do Trabalho (OIT), diferentemente de outras instituições
internacionais, existiu apenas durante a vigência do bloco liderado pela extinta União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas.
32. o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) tem na atualidade
aproximadamente 185 países-membros e iniciou suas atividades auxiliando na reconstrução da
Europa e de outros países devastados durante a Segunda Guerra Mundial

QUESTÃO 12

Observe as figuras abaixo.

Figura 1 – Localização do Terremoto no Nepal e na Índia

Figura 2- Placas Tectônicas

O terremoto ocorrido no Nepal neste sábado, 25 de abril de 2015, vem se mostrando particularmente mortal, com mais de mil vítimas registradas até o momento, mas o país está acostumado a este tipo de evento. Na região do Himalaia, já foram registrados outros terremotos significativos como este mais recente, de magnitude 7,8. [...] Isso ocorre porque o Nepal situa-se numa das regiões de maior atividade sísmica do mundo. Basta olhar para os Himalaias para entender o que isso significa.
Disponível em: . [Adaptado]. Acesso em: 25 abr. 2015. 


Sobre a formação geológica do planeta Terra, é CORRETO afirmar que:
01. as placas tectônicas são bastante rígidas, por isso exercem pressão umas sobre as outras,
originando, assim, vulcanismos e tsunamis.
02. as placas tectônicas estão em constante movimento e vários terremotos são ocasionados pela
energia liberada do choque entre elas.
04. o Brasil está situado entre a Placa Antártica e a Africana, o que afasta o risco de qualquer tipo
de tremor, mesmo de grau baixo.
08. devido a fatores geológicos específicos, não é possível associar terremotos a vulcanismos.
16. a litosfera é a camada rochosa que cobre a Terra.
32. a teoria da “deriva continental” teve grande impacto quando foi criada em meados do século
XX, contudo estudos mais recentes demonstram que ela não é verdadeira devido às causas e
consequências do aquecimento global.
64. a Terra continua em transformação porque as forças que vêm do interior do planeta mantêm os continentes em movimento.


QUESTÃO 13

Santa Catarina tem o julho mais quente dos últimos 54 anos.

Em relação às proposições abaixo, é CORRETO afirmar que:
01. o “La Niña” é um fenômeno oceânico-atmosférico que se caracteriza por um aquecimento
anormal das águas superficiais do Oceano Atlântico Tropical.
02. há vários efeitos sobre a economia quando determinados fenômenos climáticos ocorrem,
particularmente sobre a produção agropecuária do norte do estado de Santa Catarina.
04. o “El Niño” é um fenômeno atmosférico-oceânico que se caracteriza por um aquecimento
anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical que pode afetar o clima regional e
global, alterando os regimes de chuva em regiões tropicais e de latitudes médias.
08. são considerados fatores do clima: a longitude, o distanciamento entre o relevo e os altiplanos (andinos, alpinos, das montanhas rochosas etc.) e a ausência da maritimidade.
16. quanto menor a temperatura do ar, maior será a concentração de moléculas por metro cúbico de ar e maior a pressão atmosférica.

QUESTÃO 14

Sobre o território catarinense, é CORRETO afirmar que:
01. diferentemente de outros estados brasileiros, o planejamento catarinense foi descolado das
diretrizes nacionais e apresenta reduzidas políticas econômicas e regionais e forte intervenção
da iniciativa privada em setores considerados estratégicos.
02. a mesorregião do Vale do Itajaí possui como principal característica a colonização alemã,
sendo importante polo da indústria têxtil, com destaque para a exportação através do Porto de
Itajaí.
04. o Oeste catarinense foi a região que se consolidou mais tardiamente, tendo sido os interesses
conflituosos entre Santa Catarina e Paraná (como a Guerra do Contestado), resolvidos apenas
ao fim da década de 1910, uma das causas desse atraso.
08. no período de 1930 a 1970, passa por transformações que consolidarão seu padrão de
produção e integração tanto em termos regionais quanto nacionais.
16. a mesorregião de Florianópolis foi colonizada por açorianos e espanhóis no século XVIII,
apresenta um relevo litorâneo muitíssimo recortado, com pântanos, lagunas e falésias, e tem
na pesca a atividade econômica mais importante.
32. o Sul do estado de Santa Catarina, cujos principais municípios são Criciúma, Tubarão,
Gravatal, Araranguá e Urussanga, teve colonização predominantemente italiana e suas
principais atividades econômicas são o turismo, a indústria do vestuário, o extrativismo mineral e a indústria cerâmica.

QUESTÃO 15

A construção de grandes usinas hidrelétricas quase sempre foi tema de debates sobre
questões sociais, ambientais e econômicas. A canção Sobradinho, por exemplo, lançada
em 1977 pela dupla Sá e Guarabyra, já tratava desta questão. No presente, as obras para
a transposição do rio São Francisco estão em fase de testes. Segundo o Ministério da
Integração Nacional, os canais que saem do rio somam, juntos, 477 quilômetros. O objetivo é
levar água para cerca de 12 milhões de pessoas residentes nos estados de Pernambuco,
Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A previsão é atingir mais de 390 municípios no sertão
pernambucano, além de 325 comunidades que residem a uma distância de cinco quilômetros
da margem dos canais.

Disponível em: . [Adaptado]. Acesso em: 11 set. 2015.

Em relação às proposições abaixo, é CORRETO afirmar que:
01. a bacia do rio São Francisco está totalmente inserida na Região Nordeste do país.
02. as nascentes do rio São Francisco se situam no interior do Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros, em Minas Gerais, e sua foz está localizada no litoral nordestino, entre os estados de
Pernambuco e Alagoas.
04. a transposição das águas do rio São Francisco tem como um dos objetivos reduzir o problema
da seca na região da caatinga, no entanto o rio também poderá ser aproveitado em usinas
hidrelétricas e navegação.
08. no período colonial, o curso do rio São Francisco propiciou a ligação entre as principais áreas
produtoras de açúcar no Nordeste e a região de extração de ouro em Minas Gerais, além de
favorecer a criação de gado em suas margens.
16. o rio São Francisco corta o território da Bahia no sentido norte-sul, contudo seu aproveitamento
econômico se dá apenas no estado de Sergipe.
32. a região hidrográfica do rio São Francisco é considerada a maior bacia hidrográfica localizada
totalmente no território brasileiro.

QUESTÃO 16

Sobre a geopolítica e o comércio internacional na atualidade, é CORRETO afirmar que:
01. o México, depois de se associar ao NAFTA (sigla em inglês de North American Free Trade
Agreement), vem passando por um virtuoso processo de crescimento industrial, sem perder
sua autonomia para decidir sobre políticas industriais.
02. a China, parte integrante do acrônimo BRICS, criou as chamadas Zonas Econômicas
Especiais, um dos fatores determinantes para sua industrialização.
04. a Índia tem se destacado por sua taxa de mão de obra qualificada, principalmente nos setores
de serviços e de informática, a despeito de ainda apresentar grande percentual de pobreza
entre sua população.
08. a Rússia, mesmo sendo considerado um país integrante do G-8 (grupo dos oito países mais
ricos do mundo), tem um desempenho econômico muito semelhante ao dos países “emergentes”.
16. a África do Sul tentou se tornar membro do BRICS, contudo a política econômica do apartheid
a impede de ser incluída em fóruns internacionais.
32. o BRICS é um bloco econômico composto de cinco países que têm em comum o fato de serem
banhados pelo Oceano Atlântico e de possuírem grandes reservas de petróleo. A construção de grandes usinas hidrelétricas quase sempre foi tema de debates sobre questões sociais, ambientais e econômicas. A canção Sobradinho, por exemplo, lançada em 1977 pela dupla Sá e Guarabyra, já tratava desta questão. No presente, as obras para a transposição do rio São Francisco estão em fase de testes. Segundo o Ministério da Integração Nacional, os canais que saem do rio somam, juntos, 477 quilômetros. O objetivo é levar água para cerca de 12 milhões de pessoas residentes nos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A previsão é atingir mais de 390 municípios no sertão pernambucano, além de 325 comunidades que residem a uma distância de cinco quilômetros
da margem dos canais.
Disponível em: . [Adaptado]. Acesso em: 11 set. 2015.

QUESTÃO 17 

Sobre as questões demográficas na atualidade, é CORRETO afirmar que:
01. as migrações da Europa e para a Europa são processos recentes, que se intensificaram a
partir das décadas de 1980 e 1990, quando da dissolução da União das República Socialistas Soviéticas e da unificação alemã com a queda do muro de Berlim.
02. os problemas migratórios atuais têm diferentes motivações e fluxos entre regiões da África, do
Oriente Médio e da América Latina.
04. depois de atingir um alto grau de desenvolvimento econômico e humano, os países que compõem a União Europeia têm criado políticas de estímulo à entrada de imigrantes, principalmente de cidadãos de origem sul-americana, que representam mão de obra com elevada qualificação.
08. a União Europeia criou condições para o livre trânsito de capitais e mercadorias entre os
Estados-membros, entretanto há ainda sérias restrições ao movimento de trabalhadores.
16. um problema a ser enfrentado por autoridades europeias é o fluxo migratório de alguns países do noroeste e do leste europeu, embora estes países apresentem desempenho
econômico muito semelhante ao dos países do lado ocidental.
32. estudos mostram que o principal motivo que intensifica os processos de migração internacional são as alterações no clima global.
64. uma das principais causas da imigração para a Europa são os problemas advindos da desestruturação de vários países da África e do Oriente Médio.

QUESTÃO 18

Sobre a questão agrária brasileira, é CORRETO afirmar que:
01. a legislação garante, desde 1850, que todo trabalhador rural com interesse em ter sua terra deve procurar o Estado para comprá-la, sendo garantida a ele a posse definitiva.
02. predominam os minifúndios, em sua grande maioria áreas improdutivas que são constantemente disputadas na justiça pelos trabalhadores sem terra.
04. ao longo do tempo, o sistema de Reforma Agrária teve diversas configurações, sendo tema de
muitas divergências no que diz respeito à sua execução.
08. o país possui uma das maiores áreas rurais disponíveis e mais bem aproveitadas do mundo
para a produção agropecuária, na qual se empregam milhares de trabalhadores com salários
comparáveis aos dos trabalhadores do espaço urbano.
16. a Lei de Terras no Brasil, Lei n. 601, de 1850, trouxe uma perspectiva completamente nova com relação aos direitos e deveres dos proprietários de terra, pois naquele momento o país estava se preparando para uma economia de mercado, em que a terra passa a ser também mercadoria.
32. o estado de Santa Catarina possui como principal característica de sua estrutura agrária a
pequena propriedade familiar, resultado de um processo de colonização e de estruturação do campo.

QUESTÃO 19

As chamadas Unidades de Conservação são fundamentais para a proteção da fauna e da flora no Brasil e para o desenvolvimento sustentável do país. Sobre essa afirmação e a definição legal abaixo, é CORRETO afirmar que:

Unidade de Conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
(Lei Federal n. 9.985, de 18 de julho de 2000)


01. nas áreas das chamadas Unidades de Conservação, não é permitido nenhum tipo de exploração dos recursos naturais, nem mesmo o turismo.
02. o objetivo principal das Unidades de Conservação no país é a proteção da fauna e da flora; no entanto, ao impedir a destruição desses elementos, também protege a geologia e o relevo de ações de degradação do ambiente.
04. há exemplos de comunidades ribeirinhas na Amazônia que sobrevivem dentro de uma Unidade de Conservação utilizando de forma equilibrada os recursos naturais e ainda recebendo visitantes para práticas de ecoturismo.
08. no Brasil, a primeira Unidade de Conservação surgiu no bioma Mata Atlântica, próximo ao litoral e às grandes cidades, mas hoje tem crescido a preocupação em criar Unidades de Conservação no bioma Amazônia dada a sua extensão e a fragilidade do ambiente em face do avanço da agropecuária e do desmatamento para a retirada de madeira.
16. como em outros países, o Brasil conta com uma bem estruturada rede de proteção à fauna e à flora, com infraestrutura organizada para educação ambiental e ecoturismo, na qual todas as Unidades de Conservação federais – que são espaços fundamentais para a observação da natureza – estão incluídas.

QUESTÃO 20

Sobre os biomas brasileiros, é CORRETO afirmar que:
01. o bioma Amazônia é o de maior extensão no país e o bioma Pantanal é o de menor extensão.
02. o bioma Mata Atlântica possui uma das maiores diversidades do país e é um dos mais
preservados em virtude da criação de muitas Unidades de Conservação durante o século XX.
04. os biomas brasileiros se distinguem por sua vegetação, localização geográfica
(continentalidade, proximidade com o mar, latitude, altitude etc.), tipo de relevo e solo e condições climáticas, mas são protegidos sobretudo pelo tipo de exploração econômica que exercem.
08. no mapa acima estão representados, em ordem, os seguintes biomas: (1) Amazônia; (2)
Cerrado; (3) Caatinga; (4) Mata Atlântica; (5) Pantanal e (6) Pampa, tendo este último bioma se
desenvolvido, a partir do século XVII, com a criação de equinos e bovinos no país.
16. o bioma Mata Atlântica se caracteriza, no estado de Santa Catarina, em Floresta Ombrófila
Densa, com vegetação encontrada no litoral e que se estende pelos vales da bacia hidrográfica
do rio Itajaí-Açu, e em Floresta Ombrófila Mista, cuja denominação é dada pela presença de
uma conífera aciculifoliada, com mata homogênea associada a áreas de campos.

GABARITO :
11- 34
12- 82
13- 20
14- 46
15- 12
16- 14
17- 66
18- 52
19- 14
20- 25

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

ENERGIA EÓLICA E OS DESAFIOS SOCIOAMBIENTAIS.

Energia eólica e os desafios socioambientais, artigo de Heitor Scalambrini Costa

Publicado em dezembro 8, 2015 
Parque eólico em Santa Vitória do Palmar, no Rio Grande do Sul. Foto: Eletrosul Divulgação/Vanderlei Tacchio

[EcoDebate] A partir de 2007, ano a ano, o crescimento da geração eólica no país chama a atenção. Se há nove anos a potencia instalada era de 667 MW, em 2015 chegou a 8.120 MW, ou seja, um aumento de 12 vezes. Verifica-se também que vários municípios brasileiros sofreram mudanças radicais com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida de suas populações. Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica, o chamado “negócio dos ventos”.
Várias são as razões que tem atraído estes empreendimentos a nosso país. Além da crise econômica mundial de 2008 que provocou uma capacidade ociosa na Europa, e assim equipamentos chegaram até nós com preço vantajosos; sem dúvida a “qualidade dos ventos”, em particular na região Nordeste é outro grande atrativo. E é neste território, onde hoje se concentra 75% de toda potencia eólica instalada no país.
Determinados Estados criaram políticas próprias de incentivo à energia eólica, com Isenções fiscais e tributárias, concessão de subsídios, flexibilização da legislação ambiental (p. ex. Pernambuco aboliu os estudos ambientais EIA/RIMA). Associados aos financiamentos de longo prazo do BNDES (e mais recentemente da Caixa Econômica Federal), e ao preço irrisório da terra, estas tem sido as razões principais para atrair os empreendedores. É o resultado da combinação destes fatores que possibilita que a energia eólica ofereça preços imbatíveis nos leilões realizados pela Aneel. Tornando assim à segunda fonte energética mais barata. Esta situação esconde o fato dos custos ambientais e sociais decorrentes da implantação dos complexos eólicos serem altos, embora não sejam contabilizados nos “custos” da geração, pois não são pagos pelos empreendedores, e, sim, por toda a sociedade.
Ao mesmo tempo em que esta atividade econômica teve uma rápida expansão, gerou impactos, conflitos e injustiças socioambientais. São visíveis os impactos provocados por esta fonte renovável, chamada por muitos de energia limpa. Define-se por energia limpa aquela que não libera, durante seu processo de produção, resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global. Ou ainda, que apresenta um impacto menor sobre o ambiente do que as fontes convencionais, como aquelas geradas pelos combustíveis.
Todavia nas “definições” de energia limpa não são levadas em conta as questões sociais e mesmo ambientais causados pela produção industrial da eletricidade eólica que necessita de grandes áreas, e um volume considerável de água, devido ao alto consumo de concreto para a construção das bases de sustentação das turbinas. Impactos sobre o uso de terras é quantificado pela área ocupada, sendo que em geral, as turbinas eólicas ocupam 6 a 8 ha/MW, a um custo médio de R$ 4,5 milhões/MW. Sem duvida, poderia ser argumentado que estas áreas sejam compartilhadas, como ocorrem em outras partes do planeta, ou seja, utilizada concomitantemente para outros propósitos, como agricultura, criação de pequenos animais, …. Mas isto não vem acontecendo.
Logo, o modelo adotado de implantação dessa atividade econômica no Brasil é em si, causador de inúmeros problemas ao meio ambiente e as pessoas. Os parques eólicos têm deixado profundos rastros de destruição na vida das comunidades atingidas (exemplos não faltam). Não somente com a instalação dos aerogeradores, mas desde a obtenção do terreno (pela compra, ou pelo arrendamento), sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação, abertura de estradas de acesso dos equipamentos), a construção das linhas de transmissão. Destrói territórios, desconstitui atividades produtivas e desestrutura modos de vida de subsistência.
Tem agravado a situação a velocidade em que os parques eólicos estão sendo instalados, sem o devido acompanhamento e fiscalização, sem que requisitos socioambientais sejam atendidos e cumpridos.
Na questão da terra necessária para produzir energia em larga escala, os empreendedores vão comprando, ou arrendando as terras da população local. São na verdade desapropriações feitas pela iniciativa privada como parte de estratégias agressivas para implantação dos complexos eólicos, que acabam inviabilizando a sobrevivências de outras atividades econômicas locais, como a pesca artesanal, a cata de mariscos, a agricultura familiar, a criação de animais, …. Assim comunidades inteiras são afetadas na sua relação com o território e muito pouco, ou quase nada recebem em troca.
Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de empresas eólicas. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas socialmente injustas das empresas do grande capital, evidenciadas cada vez mais com o passar do tempo. Para implantação dos parques e complexos as empresas utilizam de diferentes expedientes como a celebração de contratos draconianos com proprietários e posseiros, a compra de grandes extensões de terras, a apropriação indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.
Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência da parte das empresas. Os trabalhadores se sentem pressionados a assinarem os contratos sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário das empresas.
Quem continua a viver nessas regiões quase sempre enfrenta a impossibilidade de continuar a produção local, de manter seu modo de subsistência. A atividade eólica, tanto costeira ou interiorizada acaba com as condições de sobrevivência no lugar e em seu entorno, gerando poucos empregos de qualidade para os moradores da região, e deixando lucros bem limitados. Tudo isso depois da euforia da etapa de instalação dos equipamentos, com as obras civis, que acabam atraindo por tempo determinado, trabalhadores locais e de outras regiões. Depois das obras concluídas vem à rebordosa, com as demissões. Assim tem acontecido. Cria-se a ilusão de prosperidade com o apoio da propaganda enganosa. O discurso da geração de renda e emprego faz parte da estratégia.
Com relação à agressão ambiental têm sido atingidas áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas, remoção de dunas, provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras, ribeirinhos. Tais situações tem sido constatadas no Ceará e Rio Grande do Norte.
Em estados como Bahia, Piauí e Pernambuco a exploração desta atividade ocorre no interior, em áreas montanhosas, de grande altitude, no ecossistema Caatinga e Mata Atlântica (ou o que sobrou dela). E também nos brejos de altitude, existente em Pernambuco e na Paraíba, verdadeiras ilhas de vegetação úmida em meio ao ecossistema seco da Caatinga, onde a vegetação existente são resquícios da Mata Atlântica primária, proliferando mananciais de água que formam os riachos abastecedores de bacias hidrográficas. Portanto são áreas onde se deveriam incentivar a conservação, preservação e a recuperação destes ecossistemas naturais, dos seus mananciais e cursos de água.
Todavia, o movimento das administrações municipais, estaduais e federal caminha em sentido contrário ao de proteger estes santuários da vida. Além da omissão e conivência incentivam e promovem o desmatamento de áreas de proteção permanente em nome do “desenvolvimento econômico”, da geração de emprego e renda, justificando a destruição ambiental e a vida das populações nativas em nome do interesse público (?).
A produção de energia elétrica a partir dos ventos hoje é uma atividade econômica, cujo modelo de exploração implantado, causa inúmeros problemas afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas. Contribuindo mais e mais para ampliar um fenômeno que já atinge uma parte importante do território nordestino a desertificação. A produção de energia eólica é necessária, desde que preserve as funções e os serviços dos complexos sistemas naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global. Mas também se preserve as populações locais e seus modos de vida.
Afinal a quem serve este modelo de implantação em que o estado cooptado se omite e não fiscaliza? O que se constata são aspectos negativos que poderiam ser evitados, desde que houvesse o interesse e uma maior preocupação dos governantes quanto aos métodos e procedimentos, uma avaliação mais rigorosa dos licenciamentos que levasse em conta a análise de alternativas locacionais e tecnológicas, assim minimizando os impactos desta fonte energética.
Logo, não se pode considerar, levando em conta como estão sendo implantados os atuais projetos eólicos, nem que sejam socialmente responsáveis e nem que sejam ambientalmente sustentáveis. Longe disso.
Heitor Scalambrini Costa, Articulista do Portal EcoDebate, é Professor da Universidade Federal de Pernambuco

in EcoDebate, 08/12/2015