quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O LUCRO DOS BANCOS.

O lucro dos bancos

POR BERNARDO GUIMARÃES
Muito se fala sobre os altos lucros auferidos pelos bancos brasileiros. Isso é um problema? Deveríamos tributar mais os bancos?
Em uma economia de mercado, o lucro é parte da regra do jogo. Entretanto, lucros altos demais podem estar associados à concorrência de menos.
De fato, há fortes indícios de que falta concorrência no setor financeiro brasileiro. Por exemplo, os juros cobrados pelos bancos em seus empréstimos são muito altos. Parte substancial dos altos juros é explicada pela inadimplência, mas uma parte importante parece estar ligada à falta de concorrência.
Contudo, se o problema de fundo é a falta de concorrência, taxar não é a melhor solução. Explico.
Digamos que por conta da falta de concorrência, a taxa de juros em uma modalidade de empréstimo seja 4% ao mês, mas seria apenas 3% ao mês em um mercado com bastante concorrência.
Parece razoável pensar que a tributação sobre os bancos resolveria o problema: o banco ganha mais das pessoas ao cobrar juros mais altos, mas a tributação repassaria esse lucro extra para os cofres do governo.
Só que não resolve.
Não resolve porque a empresa ou pessoa que gostaria de tomar empréstimo a juros de 3% mas não a 4% fica sem crédito.
É por isso que competição de menos é um problema. Sem concorrência, os juros são muito altos e muita gente que gostaria de tomar emprestado (a uma taxa condizente com o custo de capital e o risco) fica sem crédito.
Em um país que tem torrado dezenas de bilhões de reais anualmente em subsídios ao crédito, essa redução no volume de crédito por conta da falta de concorrência precisa ser vista como um problema importante.
Se há pouca competição, a solução é estimular a concorrência.
Ou remover obstáculos à concorrência impostos pela própria legislação.
Um competidor natural dos bancos no mercado de empréstimos para pequenas empresas e pessoas físicas são as factorings.
Factorings são empresas que prestam serviços eminentemente financeiros. Por exemplo, uma empresa que vai receber um pagamento de R$ 10 mil daqui a 60 dias pode vender a uma factoring o direito de receber esse pagamento.
Claro que a factoring paga menos que R$ 10 mil hoje por R$ 10 mil em 60 dias. Para um economista, isso é parecido com uma operação de empréstimo, com juros.
Contudo, sob o ponto de vista jurídico, factorings não são instituições financeiras. Parece um detalhe técnico desimportante. Por que isso importa?
Porque pela lei, factorings não podem emprestar dinheiro e não podem cobrar juros (nominais) superiores a 12% ao ano em suas operações.
Por essas e outras, a lei efetivamente impõe sérias limitações às operações das factorings.
A ideia é proteger a população ingênua da agiotagem, dos juros extorsivos.
A senhora que vive em um cidade do interior poderia vender sua loja e montar um negócio para emprestar o dinheiro dessa venda, vivendo dos juros dos empréstimos. Ela conhece as pessoas da cidade, sabe quem tem mais chance de dar calote. Poderia pedir alguma garantia pelos empréstimos.
A lei não permite. Isso é agiotagem. É feio.
Ela pode, claro, emprestar o dinheiro para um banco ou para o governo. Quem quiser empréstimo, que procure o banco. Aí, pode. Vai entender.
Em nome da proteção à população ingênua, esse tipo de lei limita a concorrência. As empresas só vão tomar emprestado do agiota se o banco não quiser emprestar a uma taxa de juros menor.
Não faz sentido proibir as quitandas de operar por conta dos altos preços das frutas que elas vendem. Agora, faz menos sentido ainda reclamar depois dos altos lucros dos supermercados!
Outra medida que estimularia a concorrência entre bancos é o cadastro positivo de tomadores de empréstimos.
Considere o caso de um senhor, cliente de um grande banco, que entra com frequência no cheque especial, mas sempre paga os juros, sem renegociar. Esse senhor é uma mina de ouro. Há muitos como ele.
Sem o cadastro positivo, os outros bancos não sabem de seu histórico e têm pouco incentivo para lhe oferecer empréstimos a juros baixos.
Se todas as instituições financeiras soubessem de seu histórico completo, elas teriam forte incentivos para lhe oferecer crédito mais barato. Com a concorrência, ele teria outras opções.
Assim, o cadastro positivo aumentaria a concorrência entre bancos para prestar serviço para os bons pagadores. Como consequência, eles pagariam juros mais baixos.
A discussão sobre política econômica por vezes parece supor que a produção e a renda total de um país, assim como os lucros e os salários de cada um, são dados da natureza.
O mundo não é assim. Lucros altos demais podem indicar falta de concorrência. Isso de fato é um problema. A solução, porém, não é aceitar a situação e taxar o lucro extra.
A concorrência é um ingrediente importante do bom funcionamento de uma economia de mercado por trazer preços mais próximos dos custos. Isso gera mais trocas, mais produção e mais renda.
Agradecimentos:
– Sugestões para posts são sempre bem vindas, ainda que eu consiga satisfazer menos da metade das sugestões. Esse post nasceu de uma pergunta da leitora Nathália Pinheiro Leão.
– Quem me chamou à atenção para a lei que limita os juros cobrados por instituições não-financeiras (e factorings) a 12% ao ano foi Bruno Salama, professor da Escola de Direito da FGV.
Detalhes:
– Há motivos para limitar o escopo de operações das factorings. Por exemplo, limitações à captação de recursos fazem sentido por razões semelhantes às que pautam a existência e a operação do Fundo Garantidor de Crédito. Porém, no lado do ativo, é difícil encontrar razões para limitar as operações de empréstimos das factorings e não as dos bancos (e há boas razões para limitar as operações de empréstimos dos bancos).
– Com o cadastro positivo, pode-se argumentar que bancos teriam menos interesse em emprestar dinheiro para quem eles não conhecem, pois os ganhos de encontrar um bom pagador por aí seriam menores (pois os juros no futuro seriam menores). É verdade. Mas o benefício do cadastro positivo compensa esse custo.
Fonte : FOLHA DE SÃO PAULO

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